CD’S de Graça

Autor: Sérgio Luiz F. da Rosa - GPT - Ramal 463

Sentado em um corredor do centro de convenções do Anhembi, descanso um pouco entre as palestras, esperando o horário para a apresentação do keynote speaker do dia. Perto de mim, dois colegas da Celepar - haverá problema em dizer que eram o Tarso e o Sowek? Acho que não, pois esta não é a coluna Flagrantes e ninguém tem nada a esconder - eu acho. À minha direita duas cadeiras vazias. Enquanto conversamos duas moças aproximam-se e sentam-se nesses lugares. Continuamos conversando, e inesperadamente, uma delas me pergunta se quero ganhar um CD. Como sou da opinião que, desde que não haja nada de ilegal, imoral ou contra a segurança nacional envolvido, de graça até ônibus errado, respondo que sim, quero muito ganhar aquele CD. O que como o leitor, já rindo da minha ingenuidade deve estar adivinhando, foi uma enorme de uma mancada (na verdade, não foi tão ruim assim, pois esse caso rendeu uma introdução a esse artigo). Para encurtar a história, a moça me disse que o CD seria meu se eu fizesse uma contribuição para algum tipo de organização de apoio às crianças desaparecidas, contribuição essa que também me daria direito a ter gratuitamente uma assinatura por dois anos de uma das revistas que constava na relação dela. Como se isto não bastasse, por esse trabalho ela receberia um ponto a cada otário - desculpe, a cada contribuinte, e quando ela fizesse 16 pontos, essa mesma organização daria a ela uma bolsa de estudos para a faculdade, e quantos manés - desculpe, quantos contribuintes, ela já havia conseguido? Acertou quem pensou 15. Exatamente isso! Eu era o décimo-sexto. O responsável pela bolsa da estudos de nossa dedicada mocinha. Isso sem falar na contribuição para as crianças desaparecidas, nas revistas que eu receberia, e claro, no CD de graça. Só consegui resistir a isso tudo porque nenhuma das revistas realmente me interessava, e porque quando fiz as contas, percebi que a assinatura - desculpe, a contri buição, custava mais que comprar as revistas em uma banca. Tive um certo trabalho para conseguir convencê-la que eu realmente não seria o décimo-sexto panaca - desculpe, contribuinte, mas ela finalmente acabou desistindo e foi embora, pisando duro. Só achei que ela podia ter deixado o CD, que até era bonzinho.

Para que essa história, além de servir para aumentar um pouco o tamanho do artigo? É que penso que ela ilustra um lado sempre presente em qualquer feira ou grande evento de informática (talvez até de feiras e eventos de qualquer coisa): a venda de sonhos, de coisas que resolvam nossos problemas - reais ou imaginários - de maneira fácil e barata, existindo até mesmo, e não tão raramente, a venda de gato por lebre.

Veja por exemplo a feira em si: A cada ano há um assunto que dá o tom geral dela, o sabor que fica depois da visita. Nos dois anos anteriores era a multimídia, esse ano foi - adivinhe só: a Internet. Stands e mais stands com provedores de acesso à Internet, fabricantes de software anunciando produtos para acesso ou que usem a Internet, revistas da Internet, hardware para Internet, órgãos do governo mostrando como usar a Internet, e assim por diante. Vamos ficar com os provedores de acesso que são o caso mais óbvio: Nos stands de todos eles havia máquinas à disposição com algum browser, quase todos o Netscape, para que os visitantes fizessem o seu test drive da famigerada Internet, sempre assistidos por simpáticos e bem-vestidos funcionários (na verdade, quase sempre simpáticas e escassamente vestidas funcionárias, por que será?). E a experiência era algo de maravilhoso: ir para todos os cantos do mundo, com páginas sendo carregadas rapidamente, applets java rodando muito rápido, vídeo em tempo real, etc. O que ninguém dizia é que aquilo tudo estava rodando em conexões de no mínimo 64 Kbps em cada stand, e que quando o feliz usuário fosse usar a sua conexão em casa, a história seria muito diferente, isso supondo que o nosso já não tão feliz usuário consiga se conectar ao provedor, em primeiro lugar.

Claro que nem tudo é assim, havia expositores preocupados em realmente informar os visitantes, como o da Embratel, onde tínhamos pessoas com disposição e conhecimento para dar boas respostas às perguntas formuladas (meus inimigos dirão que gostei do stand da Embratel apenas porque lá havia coca-cola e balinhas jujuba a vontade, mas isso não é verdade, gostei do stand também).

Outro exemplo de papo de vendedor é a própria organização da Comdex. Para a inscrição, sempre vem um livreto muito bonitinho com toda a programação das palestras: quem, quando, onde e um resumo do conteúdo. Fica difícil escolher qual assistir diante de tantas coisas boas. Quando chega a hora do vamos-ver-como-é-que-fica, vira uma loteria: caso a palestra de sua escolha não tenha sido transferida de lugar ou então substituída por alguma outra, você nunca sabe bem o que vai vir. Pode ser que seja uma ótima palestra como a de Ivan Campos e Carlos Lucena sobre as tendências e perspectivas da Internet no Brasil; ou então razoável, como as sobre o Microsoft Exchange; e pode ser que ela seja um pesadelo, como o keynote speaker de quarta-feira, 11/09. Não sei o nome dele, porque no programa era para ser outra pessoa; sei apenas que era alguém da IBM. Também não sei o que ele disse porque a tradução simultânea só foi aparecer no final da palestra (diziam os boatos que ele falava tão rápido e tão enrolado que nem os tradutores conseguiam entender o que ele dizia).

Outro exemplo, este um pouco mais sutil, foi o keynote speaker de quinta-feira, 12/09. O palestrante, Robert McDowell, vice-presidente da Microsoft USA, usando um inglês que até eu entendi sem precisar da tradução simultânea, falou sobre como a tecnologia de informação está mudando a maneira de se fazer negócios, quais as tendências tecnológicas, e maneiras pelas quais as empresas podem e devem se preparar para enfrentar todas essas mudanças. Ao final, seu conselho a todos: corram riscos e encarem o que houver de mais novo em tecnologia para estarem sempre à frente. E citou então vários casos de empresas que tiveram sucesso seguindo esta linha, inclusive várias do Brasil (todas, é claro, usando soluções Microsoft). É claro que correr riscos é essencial para se conseguir qualquer vantagem, todos os ganhadores de tele-sena e papa-tudo sabem disso, mas ele poderia também dizer que correr risco não é sinônimo de acerto, todos os perdedores de tele-sena e papa-tudo sabem disso, ou pelo menos deveriam. Mas também acho que seria irreal esperar que uma palestra de fabricante de software falasse de casos de fracasso. Talvez se fosse para falar dos problemas de quem usa OS/2...

Não quero que fique a impressão que achei a Comdex uma enganação, havia muitas coisas boas. Na verdade, só por se estar ali, respirando toda aquela agitação, com centenas de expositores, milhares de produtos, parece que já se aprende algo mais, além de uma sensação meio inexplicável de bem-estar por fazer parte de alguma forma daquilo tudo. A minha intenção foi apenas passar a idéia que em uma festa, em uma feira, em uma loja, não acredite muito rapidamente em tudo que seus olhos veêm, afinal CD’s não vêm assim de graça.