CRÔNICAS DE UM CELEPARIANO EM NY

(4ª e última parte)

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro - GPT - ramal 334.

Já está na hora de encerrar esta série. Para o fim da história ficou a cidade e seus tipos, costumes, pessoas e situações inusitadas.

Por exemplo, tinha um banco bem pertinho da minha residência, que eu usava para trocar cheques de viagem. O banco até que era bem modesto. Os bancos em NY são pequenos, fruto, provavelmente, da inexistência de inflação (o que fez com que nossos bancos no Brasil inchassem desse jeito), e também porque nos EUA, banco é para emprestar e aplicar dinheiro. Só. Não tem esse negócio de pagar luz, água, bingo, e outras coisas que se vêem por aqui. Pois, voltando ao banco, era uma construção feia, atarracada, mal iluminada. Só que, na entrada, um funcionário lhe entregava um papelzinho contendo a hora da entrada na fila. E daí, se o cliente ficar mais de 7 minutos na fila, esse papelzinho é entregue para o caixa e vira um depósito de 5 dólares na sua poupança. Não é uma boa idéia para os nossos bancos ?

Tem um porta-aviões, o Intrepid, que está encostado num pier da rua 42. É um museu sobre guerra e sobre máquinas de guerra. Embora não muito adepto do militarismo e do negócio de "matar a custos menores", que é o que move esse esquema, fui lá. Esse navio foi construído em 42, a tempo de participar da batalha do Pacífico na II Grande Guerra. Nele, estão todas as máquinas de voar que já foram construídas. Gostei muito do blackbird um avião ultra secreto do qual só foram construídas 30 unidades. Deu-me uma tristeza, ao ver que um único avião daqueles poderia manter uma meia dúzia de escolas tipo CEFET por mais de um ano. Mas, enfim, se o mundo é assim, relaxe e aproveite. Foi divertido ver a "computer room" do navio. Ficava num lugar nobre, e o "computer" era uma tralha anti-diluviana. Fui ver o navio justo no "memorial day" que é um feriado nacional americano em que se choram e se lembram os americanos mortos em combate. O clima no navio era de emoção e de patriotismo exacerbado, mas no fundo achei a visita meio deprimente e o navio uma velharia enferrujada com cheiro de mofo. Paciência. Para não dizer que não gostei de nada, só me emocionou uma estátua (vocês já devem ter visto, é famosa) que mostra 5 marines erguendo a bandeira americana em Iwo-Jima, feita a partir de um instantâneo real tirado por um fotógrafo da Associated Press. Só nessa batalha morreram 28.000 americanos e provavelmente o triplo de japoneses. E o mais interessante é que em volta da estátua estava assim de japoneses sorridentes com suas indefectíveis máquinas fotográficas. É, não há dúvida de que o bicho homem é esquisito mesmo.

Uma noite tinha um programa: ir ao Café Wha, que fica no meio de Greenwich Village, o bairro boêmio de NY. Fomos um grupo de colegas do curso. Junto foi uma senhora israelense, emigrada da Rússia, psicóloga escolar, que estava no seu ano sabático (em Israel, e em um monte de países civilizados, a cada 7 anos os professores têm um ano para se dedicar ao estudo e aperfeiçoamento). A mulher era um barato, seu inglês era terrível, só consegui me comunicar através de mímica até o fim do curso, mas demos boas gargalhadas juntos, pois como mais velhos da turma e como professores, tínhamos alguma coisa em comum que não a marca do cigarro. Nossa conversa parecia algo como a velha da praça da alegria. Um dizia uma coisa e o outro entendia outra, e completamente diferente. Como eu sei ? Ela tinha uma colega, professora de kindergarten (jardim de infância) que emigrara do Uruguai e falava espanhol muito bem - eis aí nossa linguagem comum, desde que com intérprete. Essa mulher já volta na história.

Pois fomos ao Wha. Primeiro, atravessar o bairro boêmio, já que todos nossos deslocamentos eram em metrô. Aliás, eis aí outro fator comum com os demais estudantes: era todo mundo duro, isto é, sem grana. Passamos em frente ao Stonewall Inn, que é considerado um dos templos gay do planeta. (Foi nele, que numa noite do verão de 1969, após uma batida policial, como tantas outras que já haviam sido feitas, onde os gays apanhavam sem reclamar, o bairro se levantou, devolveu todas as cacetadas policiais, fez barricadas e expulsou a polícia, que ficou quietinha do lado de fora do bairro. É no aniversário desse evento que é comemorado nas principais cidades americanas, o dia da consciência gay). Do outro lado da rua um imenso out-door que achei um barato. Uma propaganda de cigarros mallboro, com o famoso cowboy que ilustra as tais propagandas, só que vestido com uma calça justa cor-de-rosa e um colete espalhafatoso. O homem do mallboro, em Greenwich Village, é gay.

Bom, na caminhada até o bar, senti por diversas vezes o cheiro adocicado da maconha, que é fumada livremente nos cantos. Chegando ao bar, que surpresa: dá para fumar lá dentro. Milagre! O cerco anti-tabagista lá alcança as raias do absurdo. Só que nada na vida é de graça. O ar condicionado do bar parecia um aspirador de pó ciclópico, e o ar na frente do seu nariz era aspirado com força brutal, você quase que tinha que agarrá-lo com as mãos para poder respirar. Não foi o meu caso, mas quem tinha cabelo comprido, sofreu. Ouvimos música americana, e aí consegui entender porque os estrangeiros em geral, quando ouvem algo como o Olodum, entram em transe. Ô musiquinha chocha que eles tocaram. Pois no fim da visita, todo o mundo meio alto, a senhora psicóloga israelense, resolveu mostrar seus dotes de dançarina. Meu amigo, se eu fumasse cachimbo, ele ia cair da boca. A mulher incorporou alguma entidade e deu um espetáculo de dança. Era uma coisa meio parecida com dança do ventre, acompanhada por palmas e batuque. Não consigo descrever, só sei dizer que no fim, o café inteiro aplaudiu de pé.

Lembrei-me de um episódio da volta de Washington que não contei ainda. Viagem demorada, saída de Washington às 8 h da noite, eu morto de cansado (e molhado de coca), um vagão imenso e só 3 passageiros nele. Logo que anoiteceu, eu juntei dois bancos e zzzzzzzzz, dei o maior ronco. Nisso o trem pára em Philadelfia, que é no meio do caminho. A porta do vagão se abre e o condutor do trem entra gritando "PHILADELFIA", a plenos pulmões. Tamanho berro me assusta, acordo e quase caio do banco. O condutor ao ver o que havia feito, imediatamente me pede desculpas e baixa a voz. Eu penso, "ô cidadão mal-educado, me acordou". O homem gentil perguntou, falando em voz baixa: "o senhor está bem ? Desculpe acordá-lo". Tudo OK, respondi, e ele esperou me acomodar pra dormir de novo. Quando viu que eu estava já de olhos fechados e devidamente acomodado, andou um passo e gritou, ainda mais forte do que antes "PHILADELFIA..." Não sei não, acho que ele tirou sarro da minha cara. Vá entender esses gringos.

Daí fui visitar o museu Gughenhaim. Prédio maravilhoso, construído especialmente para abrigar o museu. É um prédio futurista de 6 andares, no qual você sobe de elevador e desce por uma rampa circular que termina no térreo. A coleção principal é uma bela droga. São aqueles quadros que não têm pé nem cabeça. Um monte de gente com cara de entendido dizendo beautiful, very nice, wonderful e eu achando uma porcaria. Por sorte, descobri uma esposiçãozinha secundária onde tinha Manet, Picasso, Degas, Van-Gogh e Miró. Fiquei sem entender o critério dos organizadores do museu. É como servir feijão com arroz e deixar a maionese de lagosta na geladeira. Enfim, tem gosto pra tudo nessa vida.

Pra terminar, um episódio numa perfumaria americana. Entrei pra comprar um produto qualquer (encomenda da minha irmã), e na saída me lembrei de um perfume para mulher maravilhoso, chamado Pièrre Cardin, que meu irmão trouxe de París. Virei pra vendedora e perguntei "Do you have Pièrre Cardin perfum ?", caprichando no francês. A vendedora entendeu o "do you have", mas não conseguiu captar o "pièrre cardin". Os americanos são consciensiosamente monoglotas. Eles acham que o resto do mundo deve falar americano. Já estava cansado de não saber falar a língua deles. Agora, por vingança, a vendedora não sabia falar francês. A vendedora pediu licença e foi chamar a gerente, dizendo a ela que não entendeu o que o monsieur ali (eu) queria. Veio a gerente e me explicou que esse perfume não era exportado. Eu não podia deixar por menos, e embora nunca tenha posto os pés na França, respondi: É..., da última vez que comprei foi em París mesmo. Obrigado.

Com isso termina nossa viagem. Espero que tenham gostado e até a próxima.