Com a Palavra

Autor: Adilson Fabris - GPS


Qual é o grau de conhecimento que deve ser dado a uma máquina para que ela seja capaz de escrever e entender estórias?

Em seu livro The cognitive computer (O computador cognitivo), Roger Schank e Peter Childers tentaram enfocar o problema, fornecendo ao computador uma série de dados que permitisse à máquina escrever fábulas como as de Esopo. Através de um programa chamado Tale-Spin, o computador foi informado de como - considerando-se um conjunto de situações problemáticas - um urso podia fazer planos para conseguir mel.

Após uma série de tentativas frustradas, descritas por Umberto Eco em seu livro de ensaios, Seis passeios pelos bosques da ficção, os pesquisadores alimentaram a máquina com informações adicionais sobre a maneira de utilizar determinados meios para alcançar determinados fins (por exemplo, "se uma personagem quer um objeto, uma opção consiste em tentar barganhar com o dono do objeto"). O resultado foi aproximadamente este:

"O Urso estava com fome. Perguntou ao Pássaro onde havia mel. Este recusou-se a dizer-lhe, e o Urso ofereceu-se então para trazer-lhe uma minhoca, caso o outro contasse onde havia mel. O Pássaro aceitou a oferta. Mas o Urso não sabia onde encontrar minhocas e perguntou ao Pássaro, que se recusou a dizer-lhe. Em seguida, o Urso ofereceu-se para trazer-lhe uma minhoca, caso ele contasse onde havia minhocas. O Pássaro aceitou a oferta. Mas o Urso não sabia onde encontrar minhocas e perguntou ao Pássaro, que se recusou a dizer-lhe. Então o Urso se ofereceu para trazer-lhe uma minhoca, caso ele contasse onde havia minhocas ... ".

Tentando contornar o problema, os pesquisadores impuseram a condição que um mesmo objetivo não deveria ser dado duas vezes a uma mesma personagem. E o Pássaro entrou em dilema existencial.

Esta estória prova, de forma inequívoca, a exemplo das fábulas de Esopo que o computador tentou simular, que, por mais que a tecnologia tenha desacoplado as palavras do papel, ainda é imprescindível a atuação de uma mente humana para concatená-las coerentemente.

Por que isto acontece? Porque toda a definição é tautológica e necessita de referências externas que extrapolam o limite semântico da própria definição. É esta a função do autor de qualquer texto: equilibrar-se sobre a tensão oriunda dos paradoxos da língua. A civilização pode avançar a estratos inimagináveis, mas sempre será necessário um cronista, um escritor, uma testemunha humana para narrá-la, registrá-la, analisá-la, entendê-la e transformá-la em legado para o futuro.

Desde a escrita que recolheu e transmudou, há cinco mil anos, a fauna e flora das margens do Nilo, prendendo-as em exigentes limites, reduzindo-as a sínteses, até as vagas nuvens contemporâneas de elétrons viajando a alta velocidade num espaço cada vez mais virtual, a palavra escrita foi modificada, mas jamais destronada da posição central que ocupa em nossas vidas. Ao contrário, viceja ainda mais livre nas fronteiras voláteis da revolução digital.

Segundo o escritor Osman Lins, duas vezes foi criado o mundo: quando passou do nada para o existente e quando, alçado a um plano mais sutil, fez-se palavra, fazendo cessar o caos no ato de ordená-lo. Esta criação é incessante, ainda permanece em estado de ebulição e continua a nomear o desconhecido para apreendê-lo. Nestes quatro anos de vida, o Bate Byte participou ativamente deste processo contínuo de criação, registrando, contando e resgatando, informando e avaliando, unindo a tecnologia à palavra. Preenchendo o espaço cognitivo onde a máquina se cala e se curva ao intelecto humano.