Como conheci o Rio

Autor: Toshikazu Hassegawa

 

 

Caipira de Lins, no interior paulista, vi pela primeira vez o mar, especificamente o mar de Praia de Leste, já morando em Curitiba, aos 20 anos. Anteriormente, conhecia o mar pelo relato de alguns amigos mais afortunados que tinham o privilégio de passar as férias em casa de amigos ou parentes em Santos, Ubatuba ou qualquer outra cidade praiana menos votada. Um grupo mais reduzido ainda, composto pelos privilegiados entre os privilegiados, podia passar uns dias no Rio de Janeiro. Vez por outra também, os colégios organizavam excursões para conhecer as belezas da ex-Capital da República, com direito a alimentações no Calabouço e visitas ao Maracanã, Corcovado, etc. Mesmo assim, muitos como eu de orçamento familiar espremido, não podíamos participar destas viagens, de forma que ficávamos ouvindo avidamente os relatos da viagem nas rodas durante o recreio - o colega que foi tomar banho de mar levando sabonete, outro que ficou preso no elevador da Casa do Estudante, as mulheres de biquíni e por aí adiante.

Pois bem, anos depois, já trabalhando na Celepar, conhecia muitos dos cartões postais brasileiros - Florianópolis, Torres, Salvador, Matinhos - mas o Rio de Janeiro, ainda não. Falta de oportunidade, sei lá. Tinha sido aprovado para um mestrado na Coppe-Ad, mas por um problema que não cabe aqui discutir, a empresa acabou optando por outro colega, de forma que continuei sem conhecer a Cidade Maravilhosa.

Abre parênteses para contextualizar a nossa narrativa. Como já foi citado nesta coluna, antigamente os Congressos da Sucesu, com uma Feira de Processamento de Dados anexa, eram o que havia de melhor em termos de eventos para atualização profissional. Tão importantes eram estes congressos que duas cidades dividiam a honra de sediá-la - um ano era em São Paulo e o outro no Rio, de forma a não causar ciumeiras recíprocas. Os poucos que podiam conhecer tal feira eram elevados ao status de profissionais inquestionáveis, quase gênios da raça. Com o passar do tempo estas coisas se democratizaram e estas visitas também foram sendo disponibilizadas aos simples mortais, sendo que a partir desta época muitas empresas, incluindo a Celepar, passaram a organizar caravanas de funcionários para visitas. O retorno destas caravanas era sempre acompanhado de histórias - das baratas que passeavam à noite pelos quartos dos hotéis, do ônibus que se perdeu, o fulano que foi visto participando de eventos não tão técnicos assim, etc. Compreensivelmente, esta última história causava um certo mal-estar quando eram comentadas na presença das caras-metades, e é exatamente aí que começa nossa história. Fecha parênteses.

Logo após um destes eventos de cunho técnico-cultural-sociológico que ocorrera em São Paulo, houve um churrasco na casa do chefe A e durante o mesmo alguém de forma desavisada comentou na presença da noiva de P que havia visto o colega S abraçado com duas carinhosas e alegres moçoilas que supomos, não eram profissionais da área de informática. A reação da noiva de P foi incisiva:

-"P, você NUNCA vai neste congresso!!!".

Efeito fade. Quase um ano após, com a cumplicidade de todos, menos obviamente do chefe A, elaboramos um memorando onde constava uma assinatura, supostamente do Diretor Técnico, solicitando a confirmação da indicação do funcionário P para visitar a Feira até as 17:00 horas do mesmo dia. Memorando entregue, a cena que se segue só pode ser descrita transcrevendo o diálogo (vamos transcrever apenas as falas de P, já que não tínhamos autorização legal para escuta telefônica).

P disca nervosamente em seu aparelho de mesa. Pausa.

- "Oi, benzinho... Adivinhe o que acabo de receber da Diretoria da empresa...", sem conseguir esconder sua euforia.

- ???

- "Estou sendo convocado pela Diretoria para uma viagem ao Rio...", tentando conferir a cada palavra um ar um tanto quanto pomposo.

- ???

- "Não, meu bem, prometo me comportar. E é uma semana só...", quase suplicante e baixando o tom de voz.

- ???

- "Ah!!! Não fica assim...Depois nós conversamos...", quase num murmúrio, escondendo o telefone com as duas mãos, como se quisesse escondê-lo, e desliga.

Isto feito, P aumenta seu grau de ansiedade porque agora tem dois problemas a resolver - convencer a noiva e falar com o chefe, que estrategicamente fora visitar o cliente, para que a resposta fosse encaminhada à Diretoria Técnica a tempo. Lá pelas quatro horas da tarde chega o chefe A que se dirige para a sua mesa, no final da sala, acompanhado por um P que trazia nas mãos o "memorando":

- "P, você não está vendo que isto é uma brincadeira de seus colegas?", diz A em seu tom paternal característico, olhando fixamente para P através das grossas lentes de seus óculos e estendendo de volta o "memorando".

- "Eu já desconfiava", diz P, entre furioso e decepcionado, apanhando e fazendo picadinho do "memorando".

Uma semana depois, chega às mãos de A o verdadeiro memorando assinado pelo Diretor Técnico solicitando a indicação de alguém para fazer parte da comitiva que iria visitar a Feira e participar do Congresso no Rio. Ato contínuo, A reúne os analistas que se encontravam na sala (P estava no cliente) e comunica:

- "Já que vocês fizeram aquela brincadeira com P, agora ele vai para o Rio", decisão acatada unanimemente, já que ninguém ousaria qualquer manifestação em contrário. Cerca de uma hora depois, P retorna do cliente e é chamado por A que lhe comunica a decisão unânime do grupo. Sem que A tivesse tempo para concluir a frase, P se levanta de supetão e proclama num tom de voz incomum para sua pessoa:

- "Duas vezes, não. Não quero, não vou e ponto final!".

- "Mas, P... desta vez é de verdade...", tenta explicar um boquiaberto A.

- "Não quero. Não vou e pronto!".

Assim, A democraticamente fez o sorteio no qual fui contemplado, tendo antes o cuidado de excluir o nome de P da lista que foi para uma cumbuca improvisada por S em uma caixa de papelão utilizada para guardar cartões. O que ocorreu nesta viagem poderá ser assunto para os próximos, desde que devidamente aprovados pelo comitê editorial desta revista e obviamente excluídas as histórias que possam eventualmente causar algum desconforto para aqueles que futuramente forem indicados para uma viagem técnico-cultural-científica.