Crônica de um celepariano em NY

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro- GPT


Este mês, como parte do meu doutorado, fui fazer um curso de inglês no exterior. Como eu já conseguia ler os manuais da Microsoft, fui botando banca, achando que era só dar uma lustrada no meu idioma, de Shakespeare. Era a primeira vez que saia do País, e o destino não poderia ser melhor: NY, a capital do mundo. Na chegada a primeira decepção: parecia que eu falava paquistanês e os nativos falavam javanês. Em resumo, eu não consegui entender patavina, e eles nem isso. Recebida a primeira lição de humildade, chegou o momento de encarar 6 horas de aula/dia, dadas, obviamente, em inglês.

Fui achando que ia encontrar terminais Internet em cada esquina da cidade. Segunda decepção: lá (fora do ambiente universitário) ninguém conhece a Internet. Ou seja, lá como cá. Todo mundo fala e quer saber o que é, mas usar que é bom, necas de pitibiribas. Restou-me o recurso ao velho (mas confiável) correio tradicional. Para não mentir, na Biblioteca Pública de NY (um dos prédios mais maravilhosos da cidade - talvez, o mais), tinha 2 terminais Internet, instalados há 15 dias, em regime experimental, e do qual os bibliotecários tinham o maior ciúme. Os americanos, coitados, quase não conseguiam chegar perto. O que dizer de um estrangeiro. Mas, sempre dá-se um jeito. Quando chegou a minha vez, só estava disponível o serviço WWW, que de nada me adiantava para receber e mandar mensagens para os amigos aqui do Patropi. Quando perguntei sobre o e-mail (nessa altura o meu inglês já dava para ser entendido - acho), foi como se eu tivesse perguntado qual a capital de Burkina Faso. No fim, desisti... deixa prá lá.

Fazer um curso desses, é uma experiência de vida enriquecedora e divertida, principalmente com os encontros e desencontros que as culturas e os idiomas produzem. Por exemplo, lá pelas tantas, sentindo que a comida americana começava a fazer efeito sobre a largura da minha cintura, resolvi perguntar para o professor "Where can I weight me, after classes ?" (onde eu posso me pesar depois da aula ?). O professor entendeu "wait" (esperar) em vez de "weight" (pesar), e pela cara dele deu pra ver que ele achou que eu estava perguntando, aonde eu podia esperar ele, depois da aula... Sabe-se lá o que o pobre homem entendeu.

Todas as pessoas com quem falava, perguntavam de onde eu era, e eu dizia: Curitiba, Brazil. Quanto ao Brasil, todos falavam em Ayrton Senna (os japoneses e italianos, principalmente) e em caipirinha de caxaxa (é assim que eles falam cachaça). Me deu uma baita raiva de saber que nossa bela cidade era tão desconhecida. Fui na Biblioteca da cidade e pesquisei no computador sobre Curitiba, e surgiram inúmeros artigos de jornais novaiorquinos, todos elogiando a cidade e sua administração. Isso tudo ocorreu lá na época da experiência com o ligeirinho em NY[1]. Mas quanto aos alunos, ninguém sabia mesmo.

Aí eu mandei uma carta urgente para a Elaine (nossa diligente auxiliar na GPT) pedindo para ela me remeter algum material em inglês sobre nossa cidade. E esqueci do caso.

Uma semana e meia depois, ocorreu a maior das coincidências. O professor estava ensinando à construir frases comparando coisas e ele mandou todos os alunos irem no quadro escrever uma frase comparando o metrô de suas cidades com o metrô de NY. E agora?, pensei eu. Ainda mais que a maioria dos alunos, ia lá na frente e se derramava em elogios ao metrô novaiorquino (que por sinal é bem velho, mas funciona direitinho). Não tive dúvida: fui lá na frente e escrevi 'The transportation system of Curitiba is more rational than NY' Tá certo que foi um pouco de patriotada, mas vá lá. Fora do nosso País, somos todos embaixadores. O professor me olhou como se eu tivesse escrito uma blasfêmia. Mas por educação, nada disse. Nessa hora (vejam a coincidência), o diretor do curso entrou na sala para dar uns avisos, e de passagem me disse: "Pedro, you have a package from your country in our office". Eu pensei, "bendita Elaine" (e soube depois que um monte de gente tinha colaborado obrigado a todos). Pedi licença e fui buscar o pacote. Estavam lá 1,280 Kg de material promocional da melhor qualidade sobre Curitiba. Voltei, triunfante, e preguei na parede da sala um poster enorme que descreve o sistema de transporte coletivo de Curitiba. Chamei o professor lá e expliquei pra ele porque havia escrito aquilo. Ele não entendeu o que eram aqueles tubos e eu expliquei que era um mini-metrô, que a gente pagava o bilhete no tubo e o embarque era super rápido. Funciona como um metrô e a 1/20 do custo do dito cujo. No fim o professor deu a mão à palmatória.

Num fim de semana, chegou a hora do passeio. Uma ida a Washington, cidade belíssima (Lembra um pouco Brasília, só que mais rica, é claro). O certo é fazer a viagem em 2 dias, e pernoitar lá, mas o hotel mais barato custava 100 dólares, e como 100 dólares não dão em árvores (nem lá), resolvi ir e voltar no mesmo dia. Que odisséia! Na chegada, arrumei um mapinha do centro, e como estava completamente desorientado, chamei um guarda e perguntei "Please, sir. Where is the north?" O gajo, fez cara de quem não tinha entendido a pergunta, mas ele tinha entendido sim. O que ele não sabia era onde era o norte. Repeti a pergunta, e aí, não teve jeito, ele foi obrigado a pensar (bastante) e dizer "lá" apontando com o dedo. Virei o norte do mapa na mesma direção e saí caminhando. Andei perdido por mais de uma hora. O danado do guarda era ignorante em geografia. Ele tinha me apontado o sul!

Primeira parada, Biblioteca do Congresso. Eles têm um acervo de simplesmente 30.000.000 de livros. Só que não queriam deixar entrar na sala de pesquisa computadorizada do acervo. Tive que afirmar peremptoriamente que eu era um "foreign rescarcher" (pesquisador estrangeiro). Quanto ao fato de eu ser pesquisador, não tenho certeza se eles acreditaram, mas quanto ao fato de eu ser estrangeiro, nenhuma dúvida.

Depois, capitólio, obelisco, memorial a Lincoln, cemitério de Arlington (mais de 100.000 mortos em defesa da pátria, e cá prá nós, de maneira bem estúpida, em guerras, como são estúpidas todas as guerras). Mais que um cemitério, o lugar é uma lição de bravura, heroísmo e de como o bicho homem é um completo idiota em
certos momentos. Os túmulos mais visitados eram o de JFK e o da professorinha de jardim de infância que explodiu junto com a Challenger. Me perdoem a falta de respeito, mas só me ocorreu pensar "o que essa mulher estava fazendo dentro de um foguete em vez de estar dentro de uma sala de aula ?"

Já no fim da tarde, visitei o memorial aos mortos do Vietnã. 55.000 nomes de americanos que morreram lá. A cena que mais me impressionou, foi a de uma menininha (devia ter uns 9, 10 anos), com uma folha de papel e um giz de cera tirando um decalque do nome de uma pessoa (tio?, primo?, irmão? - sabe-se lá).

Bom, já eram 6 horas da tarde, e me dei conta que a última coisa que havia comido era uma diet coke a bordo do trem. Desesperado, procurei um lugar de comer, e olhando para a esquerda, achei a salvação: uma barraquinha de cachorro quente. Corri lá, e pedi um refrigerante e um cachorro quente (já pensando no segundo cachorro). Enquanto a senhora me servia a bebida, ela estava almoçando arroz (de um prato imundo) e conversando com sua colega de trabalho. Pois a desgraça foi que, a cada sílaba que a mulher soltava, saiam da sua boca uns 4 ou 5 grãos de arroz, que iam cair direto sobre os pães e as vinas.Posso ser esfomeado, mas louco não sou.

A sede conseguiu ser acalmada, mas a fome teve que esperar mais um pouco.

Nessa hora desabou o maior temporal (como se diz lá, " was raining cats and dogs"). Como não havia levado muda de roupa, tratei de me abrigar, que me faltava encarar uma viagem de 4 horas de trem de volta ao lar. Corre, pula, se protege, e finalmente cheguei à estação de trem, e a primeira coisa que vejo foi uma imensa lanchonete. Ah-ah!, pensei, vou me refestelar. Pedi tudo o que tinha direito, e para beber uma dose média de refrigerante (o refrigerante pequeno deles, é do tamanho do nosso grande). O médio, é maior, parece quase um balde. Não quero nem pensar como é o "the biggest" que estava anunciado. Deve ser uma banheira cheia de líquido. Tudo colocado na bandeja, procurei uma mesa, me sentei confortavelmente e simplesmente derramei toda a coca-cola sobre mim. Do sovaco ao tornozelo, fiquei empapado. Não sei o que houve. Num momento a coca estava todinha lá, quietinha no copo, e no momento seguinte estava toda grudada em mim, e pelo lado de fora. Mas quem viaja, tem que se sujeitar a essas coisas. Arrumei uma camiseta por ali, e quanto à calça, o negócio foi vestir a máscara "quem foi que botou essa coca em mim ?". A maior vergonha foi voltar à fila da lanchonete pra comprar outra. Ainda bem que ninguém me perguntou: "Se você queria mesmo tanto a coca, porque derramou ela toda ?" Não ia ter o que responder. Ainda bem que ninguém perguntou. A viagem terminou bem.

Já no fim do curso, bateu a saudade, da família, do Brasil, de Curitiba, da Celepar, dos amigos, e por incrível que pareça, do café da Celepar. Os americanos não bebem café, bebem chafé.

Tinha comprado um monte de livros (mais de 2OKg) e estava indo ao correio despachar (há uma tarifa bem baratinha para livros), quando um colega brasileiro me alertou que demorava muito. No ano passado ele tinha remetido alguns, e depois de 6 meses de demora ele escreveu para o correio, mais ou menos nos seguintes termos: "Em 1500, a carta de Pero Vaz de Caminha levou 90 dias para chegar da América até a Europa. Era de se esperar que depois de 4 séculos, a coisa andasse mais ligeiro" , Bom, diante dessa história resolvi trazer os livros comigo. O máximo que me aconteceu foi arrebentar a alça da mala diante de tanto peso.

Para liquidar a crônica, fica o convite aos colegas e amigos. Está certo que o curso é meio caro, mas quantas coisas caras a gente compra na vida? Posso afiançar a todos que a experiência que eu vivi, não tem preço. Conviver durante 1 mês inteirinho com pessoas de diversos países (na minha turma havia israelenses, italianos, japoneses, coreanos, argentinos, venezuelanos, austríacos, além dos professores americanos) é uma experiência que - quem puder - deve ter. O principal saldo que ficou para mim, é que japoneses e americanos, embora ricos, têm 2 braços, 2 pernas, 1 cabeça e são iguaizinhos à gente. Não precisamos ter nenhum sentimento de inferioridade ou de inveja. Nosso País, está aí pronto para ser construído. Com nosso trabalho e esforço, logo estaremos próximos deles. Mais do que uma esperança, essa é uma certeza que esta viagem me ajudou a consolidar.


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[1] Algumas referências encontradas na Biblioteca de Artes Cênicas, Cinematográficas e Musicais do LincoIn Center, em NY:

The maestro of Curitiba. (mayor of Curitiba, Brazil, Jaime Lerner) Mac Margolis. Los Angeles Times, April 27, 1993 v112 pH8 col 1 (31 col in).

The secret of a livable city? It´s simplicity itself (Curitiba, Brazil showcases advances as it hosts World Urban Forum) (International Pages) (The Road to Rio) James Brooke. The New York Times, May 28, 1992 v141 pA4(N) pA4(L) 18 col in.

Test runs for futuristic bus-tube system; from Brazil to New York, a computerized approach to transportations (New York City Transit Authority uses plastic tubes to speed connections between buses) Dennis Hevesi. The New York Times, April 21, 1992 v141 pB3 (L) 12 col in.

Civic solutions: urban problems yield to innovative spirit of a city in Brazil; Curitiba gets people to use public transit, sort trash, even build own homes; old buses are mobile schools. (Curitiba, Brazil; innovative and environmentally progressive solutions to urban problems) Thomas Kamm. The Wall Sreet Journal, Jan 10, 1992 pA1 ( W) pA1 (E) 35 col in.