Crônicas de um celepariano em NY (2. parte)

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro- GPT


Atendendo a insistentes pedidos (pensando bem, nem foram tão insistentes assim, mas ninguém precisa saber) aqui vai a continuação da crônica da viagem. Para os que perderam a primeira parte é o seguinte: fui fazer um curso de inglês de 1 mês em NY. Viagem incrível, curso ótimo, passeios lindos, pessoal maravilhoso, mas inglês que é bom... 0 que eu sei, é que chegando em Curitiba, corri me inscrever no InterAmericano para o curso regular. Agora sim é que estou aprendendo para valer. Bem dizem que o primeiro passo do aprendizado verdadeiro é o conhecimento da própria ignorância. Se é assim, o curso de inglês nos EUA foi ótimo.

Mas, vamos aos causos. Um dia, estou (como qualquer pessoa civilizada) em cima da calçada esperando o sinal abrir, e na minha frente, 1 metro dentro da rua, pára uma moça ... bom, dizer que era linda é uma injustiça, só não digo que ela era de parar o trânsito, porque, como se verá daqui a pouco, não foi bem o caso. Mas que a moça era bonita e charmosa, isso era. Bom, voltando à história, a moça parou e abriu o porta níqueis para procurar um token de metro (era na entrada do metrô da rua 66). E o porta níqueis dela - pelo jeito - tinha umas 27 ou 28 coisas além dos tokens. As mulheres são iguais em qualquer lugar do mundo, como se vê. Foi um tal de escarafunchar lá dentro, que a moça se distraiu e o sinal da outra rua abriu (era uma esquina de 6 ruas).

Nisso, vem em nossa direção - melhor dizendo - na direção dela, uma jamanta daquelas imensas, como a gente vê em filmes. A cabine do caminhão era do tamanho de uns 2 ou 3 fuscas. 0 motorista, não sei se de sacanagem ou porque também estava embevecido pela visão da moça, também não freiou nem buzinou. Quando dei pela coisa, o caminhão estava vindo direto em cima dela. Enquanto isso, ela já tinha tirado a agenda, o batom, a caneta, o alicate de unhas, o lenço, a calculadora, o celular, outra agenda, outro batom, mais umas duas ou três coisas francamente irreconhecíveis, umas tralhas que eu imagino o que eram, mas não é educado comentar e nada do token. E o caminhão chegando. Sem ter o que fazer, só me restou esticar o braço, agarrá-la e dar um puxão nela pra cima da calçada. A mulher veio, meio na base do "catando cavaco", e a seguir me olhou indignada, com seus olhos (verdes) fuzilando de raiva, e já pronta pra levantar pra 6, como diriam os jogadores de truco. Os americanos têm horror a que você encoste neles. Esse festival de beijo pra cá e pra lá que a gente costuma empregar aqui, para eles soa bem estranho. Quase que a coisa começa a engrossar, quando o motorista do caminhão finalmente acordou e meteu o pé no freio. Aquilo guinchou mais que um bando de gatas no cio namorando com gatos sobre os telhados. Foi o que me salvou. Se ela levou um susto com o puxão, susto muito maior viu, quando o caminhão parou a 10cm de onde ela estava. Foi muito divertido ver a mudança no rosto dela. Da raiva, ao susto, à gratidão em menos de meio segundo. Oh, I’m sorry, Excuse me, Thank you,... you're welcome.. e assim acabou o causo. Verdadeiro, podem crer.

Noutro dia, fui visitar uma livraria na 5ª avenida. Toda de madeira envernizada, com milhares e milhares de livros. Olhei, senti, cheirei, circulei, peguei nos livros e finalmente me armei de coragem e encostei a barriga no balcão de informações. Can I help you mister?, pergunta a gentil atendente. Yes, you can, respondo eu, e papo vai e vem, até que estava conseguindo me entender com ela. Quando chegou a hora de eu dizer o nome do livro que estava procurando (um nome complicadérrimo, encomenda da minha irmã), eu me enrolei todo e acabei falando errado. Exatamente nesse momento disparou um alarme estridente. Todos os funcionários, inclusive a gentil mocinha se levantaram com cara de susto. Susto levei eu. Será, pensei, que eles têm um detector de erros de ortografia? Será que o que eu falei foi tão errado assim?. Bom, nisso um brutamontes (bota brutamontes nisso) surgiu do nada, e saiu no maior pique por entre pilhas de livros e estantes abarrotadas, com uma agilidade insuspeitada, até a porta da loja. Ufa! que alívio. Não era nada comigo. Na porta, o brutamontes agarrou um cidadão (novaiorquino), engravatado, todo elegante e afetado e começou a sacudir o dito cujo pelo gasganete, instalando-se o maior bate-boca e em inglês. Vendo que ali ia dar espetáculo, relaxei, sentei num banquinho e me instalei para apreciar o circo. 0 homem insistia que aquilo era um ultraje, que ia chamar o advogado dele, que onde já se viu,... tudo aos berros. E o brutamontes dê-lhe a chacoalhar o cangote. No fim a história se esclareceu, o brutamontes abriu a pasta do homem e tirou de lá de dentro mais de 10 livros, que a figura engravatada tentava afanar, surrupiar, levar na moleza, ou lá que nome tenha isso. Prá terminar: o brutamontes pegou os livros e, com a única mão livre, deu um safanão no gatuno que o jogou lá longe, no meio da calçada. Eu só pensei, cá com o meu ziper: caso eu compre algo aqui, vou fazer questão de pagar tudo direitinho com recibo e nota fiscal, eu bem?

Daí, minha filha tinha me encomendado um walkman (que no caso dela devia se chamar walkwoman, por que essa discriminação?). Passei por um monte de lojinhas, dessas que o vendedor mais honesto é capaz de vender a mãe por 10 cents e ainda não entregar. Com medo de comprar gato por lebre, acabei indo bater na loja da Sony. Trata-se de uma loja luxuosíssima, na 63 avenida, com produtos de última geração. Só para dar água na boca de quem gosta dessas coisas: uma câmara de vídeo de altíssima resolução menor do que uma carteira de cigarros; uma TV da grossura de um quadro de parede, uma outra TV cuja tela tinha uns 2 m2 de área, e por aí vai. Comprei o walkman, que custava US$ 79 (três dias depois, numa loja da Radio Shack, de toda a confiança, vi o mesmo aparelho por 49 - bem já dizia minha vó: todo luxo tem seu preço). Mas enfim, chegou a hora de pagar, e me vejo diante de um funcionário indescritível: Peço licença para só usar o gênero masculino ao descrevê-lo, mas esse pedido de licença é necessário como se verá: rosto de homem, cabelo encaracolado de mulher. Voz de homem, seios (abundantes) de mulher. jeito de homem, corpo de mulher. Vestido de saia, mas gentil que nem um lutador de box. E eu, pensando. Chamo ele de mister ou de miss? E a fila andando, e minha vez chegando. Me deu uma agonia tal, que na hora de pagar, acabei chamando ele de você, assim mesmo, em português. 0 cidadão me olhou meio atravessado, mas cobrou direitinho os 79 dólares. Se vocês forem a NY, vão lá na loja da Sony. É algo bizarro, para dizer o mínimo. Vale a pena.

Numa noite, fui conhecer o Carnegie Hall, o templo mundial da música. Apresentava-se a Orquestra Sinfônica da República Tcheca, uma homenagem à terra do meu pai (o nome Kantek vem de lá). junto apresentava-se um coral de 400 vozes de criançinhas, pelo menos era o que me parecia, vistas lá de cima. Eu estava sentado na 5ª (quinta) platéia, o popular galinheiro, que a grana andava cura. As criançinhas tinham vindo de todos os Estados Unidos para a apresentação. Quem me conhece, sabe que aqui, eu sou capaz de ficar 8 horas sentado ao lado de alguém sem trocar mais do que um bom-dia, boa-tarde, té logo, mas lá foi diferente. Lá, I let may self go, como dizem os americanos, ou soltei a franga como dizemos aqui. O caso é que comecei a conversar com minha vizinha de cadeira, uma senhora muito distinta, que tinha vindo do Texas para ver sua netinha se apresentar. Me perguntou de onde eu era, o que eu fazia, eu contei do Brasil, do curso, reclamei que o inglês era muito ruim de aprender, tem muitos verbos irregulares e que era difícil para mim. Meu consolo foi que ela respondeu: it's hard to learn dor the american too. Aí a netinha dela se apresentou e eu não parava de dizer wonderful, beautiful e palmas prá cá e palmas para lá. Aliás, pausa para uma confidência: aqui n Teatro Guairá, quando vem uma orquestra importante eu morro de vergonha quando as pessoas aplaudem nos intervalos dos movimentos das peças sinfônicas. Significa falta de educação, porque distrai os músicos e quebra a magia do espetáculo. Ainda bem que aqui isso só ocorre de vez em quando. Pois em NY, no Carnigie Hall, logo aqui, todos os movimentos foram aplaudidos, apesar do desespero da maestrina e uns quantos schhhh, quiet! stupid! gritados iradamente na platéia. Nunca mais vou ficar com vergonha aqui no Guaíra. Fim da confidência. A mulher ficou tão embevecida com meu entusiasmo pela música da netinha dela, que no fim fez questão de me apresentar a dita cuja: me vi diante de uma americana de uns 16 anos, de 1,80m, roliça, cheia de sardas, quiça jogadora de basquete, provavelmente alimentada todas as manhãs com sucrilhos, bacon e ovos mexidos. Só o que ocorreu dizer: "puxa, como sua netinha canta bem...".

Um domingo, fui ver o Museu de História Natural, que é algo francamente indescritível. A entrada custa 6$, mas tem um aviso dizendo que a colaboração é voluntária. Só que o aviso tem o tamanho de um selo pequeno de correio e fica bem escondido. Comigo não, seu Salomão. Na minha vez, estendi uma nota de 1$, e diante da cara feia da caixa, fiz cara feia também e larguei um "I'm a student, and a poor student". ora, ela que fosse pentear macacos. Depois de umas 4 horas de andar prá cá e prá lá, meu inconsciente me deu um cutucão: em algum lugar estava escrito o nome do Brazil, com z e tudo. Era a primeira vez que isso ocorria na viagem, e comecei a procurar onde, estava o nome do nosso País. Viro um corredor e dou de cara com um cartaz enorme escrito "The brazilian keller" (a assassina brasileira). Caramba, pensei eu, assim já é esculhambação demais com o nosso País. Mas fui entrando. Finalmente, o mistério se desfez. Era um mega exposição sobre aranhas e o lugar central era ocupado por uma imensa aranha armaderia, vindo do litoral de São Paulo, que os americanos chama de banana spdier. Filas e filas para ver a bicha. Tinha uns americanos e americanas que entrava em histeria, com direito a gritos, ameaças de desmaio e exclamações de horror de medo da pobre coitada. Quando chegou a minha vez... não sei não, não sou especialista em aranhas, mas me pareceu que ela estava com uma baita saudade de Cananéia e São Sebastião.

É isso. Como afirmei lá em cima, é tudo verdade. Quem me conhece, sabe que não invento nem aumento nenhuma história. espero que tenham gostado de viajar comigo, e até a próxima.