Flagrantes: Assalto terceirizado

Autor: Sirley Sbeghen - GSR

Hoje terceiriza-se tudo.

Sempre fui contra esta idéia até dar por conta que terceirizei a educação de minha filha, onde contratei um colégio que, por sua vez, contratou um professor para dar conta do recado. Os serviços de jardinagem da minha casa, a cabelereira, a oficina mecânica, a lavanderia...

Já penso, inclusive, em detonar a cozinha da minha casa, terceirizar tudo o que se relaciona à comida. Já pensou? Quando sentir fome aciono, simplesmente, um botão e a terceirização correrá com o pedido para atender-me. Penso, seriamente, que no futuro, isto acontecerá com a maioria dos mortais.

Mas, sempre tem alguém que coloca os ovos em pé antes da gente.

Uma prova de que terceiriza-se tudo está no fato que contarei, o qual me foi passado em detalhes rigorosíssimos por uma amiga, que ouviu de uma amiga dela, a qual trabalha no setor ao lado da divisão onde trabalha a nossa personagem, que por sua vez ouviu de outra amiga, portanto, a história é plenamente confiável.

Dia de pagamento, a gente esperando, nervosamente, a entrega oficial dos contra- cheques, entrega de tíquetes, jornal da FUNCEL e afins. Ora, é ou não é um bom dia? Muitos economistas falam que dia de pagamento aqui, superavit no Müller. Depois de saber desta história, acredito piamente nisso.

A nossa personagem prepara-se bem cedo, cata todos os dividendos a que tem direito, faz todas as contas e separa o que dá prá gastar, ou seja, o salário inteiro e, na hora do almoço, ruma direto ao Shopping Müller.

Pessoa elegante, salto alto, bem maquiada, não vacila, entra em todas as lojas em que as vitrines a enamoram. Decidida, não precisou muito para torrar o salário e conseguir doze sacolas cheinhas de compras maravilhosas, produto daquilo que os psicólogos tentam explicar, desde Freud, ou seja, sacolas cheias de realizações.

Alguns homens não vão concordar comigo, mas vão entender perfeitamente de que síndrome estou falando.

Dirige-se solenemente para a saída do shopping. Não almoçou, lembra que a balança vai agradecer, melhor para a silhueta. Os pezinhos já reclamando do salto alto, lembra-se de que não pode pegar ônibus pois não sobrou tostão. Táxi, então, nem pensar.

Dá uma parada no patamar da escada, ergue os ombros, agarra bem as sacolas e sorri, não um sorriso qualquer, mas um sorriso de "Missão Cumprida"! Reparem nas mulheres que saem do shopping com sacolas cheias, elas têm um sorriso magnífico.

A realização em forma de mulher vai andando, entretida nos seus pensamentos, em direção à CELEPAR, sem pensar nos 92 degraus que deverá subir, quando duas moçoilas param no seu caminho. Informações? Qual nada, deram voz de assalto e a nossa personagem voltou imediatamente à realidade. Agarrando as 24 alças das sacolas com firmeza, explicou com delicadeza que não tinha dinheiro.

- Você, nesse chiquê todo, acha que engana?

Bate-boca vai e bate-boca vem, as pivetes suspeitam que o dinheiro estava escondido em algum outro lugar.

O desespero bateu, total, no minuto exato em que viu sua amiga do outro lado da rua. Gritou para conversar e esta veio em seu socorro. - Por favor, estou sendo assaltada, não tenho um tostão, empresta algum que acertaremos depois.

A amiga, também sem um tostão (será que tinha ido ao shopping?), mas com o bloquinho dos tíquetes alimentação, ofereceu um, unzinho só. Quase apanhou. - O bloco inteiro? Nem pensar, só morta!

Desandou a correr pela Mateus Leme e, de sobressalto, a do salto alto, deitou a correr também, e a pivete atrás da de salto alto, e a outra pivete atrás da outra pivete. Alguns motoristas, achando que era uma maratona, torciam pela de salto alto, que estava em segundo lugar, outros pela de salto baixo, que estava em primeiro.

A maratona terminou no posto de gasolina, quando os dois primeiros lugares encontraram o frentista, ou como está sendo alardeado - super-herói, que salvou a que chegou em primeiro lugar de um assalto e a que chegou em segundo lugar, do assalto terceirizado.

De vez em quando passo por ali e vejo o frentista, que colocou as pivetes prá correr, dando autógrafos.