Flagrantes: Dê a senha ... ou cale-se para sempre

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro– GAC


Essa história me lembrou aquela do português: Altu lá. Sab's a senha? Sim responde o outro. Aintão podi passaire. Chega de história e vamos ao que interessa: Mais uma do tempo em que cães se amarravam com lingüiça. Verídica como sempre. O cenário é uma empresa pública federal de informática que tem centros regionais nos principais estados do Brasil. Este Flagrantes se deu em um estado do Sul. A época, meados dos anos 80, tempo de reconquista das liberdades por tantos anos suprimidas. Época conturbada, por certo. Chega de detalhes, mais informações revelam o santo e o milagre.

A empresa ocupava uma área grande e um dos barracões centrais era a associação dos funcionários. Embora rodeada pela empresa, por acordo de cavalheiros, em todas as greves era salvaguardado o direito dos grevistas de frequentarem a associação. Fechava-se um portãozinho, respeitavam-se umas fronteiras virtuais e pronto: todos satisfeitos.

Um mês antes do causo, o refeitório da empresa entrou em reformas: cadeiras, paredes, panelas e guarnições, portas e frigideiras: tudo novo, o grude diário ia melhorar de qualidade. Durante a reforma, instalou-se uma sala de almoço provisória na sede da associação. Na véspera do causo, explodiu uma greve. Piquetes, gritaria, cara feia e mais gritaria, enfim uma greve como os anos 80 tão bem souberam produzir. Na hora de organizar a confusão, alguém perguntou?

-- Como vamos saber quem é grevista e quem não é, na hora de servir o almoço? Afinal, a empresa não pode alimentar grevistas...

Palpite daqui, sugestão dali, boutade mais acolá, até que algum espírito mais burocrático sugeriu:

--Vvamos bolar uma senha: um papelzinho com 32 assinaturas e 9 carimbos oficiais que, entregue dentro da empresa, será recolhida no restaurante improvisado. Quem tiver o papel almoça, quem não tiver a senha, babau... Ótima idéia, imediatamente um grupo tarefa lançou-se na atividade de criar as senhas.

No dia seguinte, a chefe dos serviços administrativos (seria a Alba deles), ausentou-se de manhã e com isso perdeu toda a interessante discussão sobre as senhas. Só retornou perto do almoço. Nessa hora, um grupo se preparava para ir almoçar e a Alba deles se juntou ao grupo. Alguém lembra: credo, esquecemos de pegar as senhas...

A Alba deles, sempre um modelo de desligamento, sem entender nada, retrucou: senha? que senha?

Pronto. Era hora do espírito gaiato intervir (repararam como sempre tem um representante da gaiatice a postos para assumir?). Pois este cidadão encostou na Alba deles e falando baixinho disse a ela que a senha era: I don't know, e que deveria ser dita no ouvido da pessoa que cuidava do refeitório. A Alba deles achou estranho, mas já nessa estranha época o mundo já era meio estranho, portanto, seria só mais uma estranheza.

Não se sabe como a história correu como rastilho de pólvora e quando o bolinho de gente chegou na porta do refeitório o silêncio era sepulcral. O grupo, como não poderia deixar de ser, nada queria perder, deixou a Alba deles na frente, ela foi a primeira a ser atendida.

Era hora da gerente da limpeza, vamos chamá-la de Dona Maria, que na hora de almoço fora promovida a recolhedora de tiquetes: De bate pronto, ela olhou para a Alba deles e disparou: a senha!

A Alba deles, fez cara de espiã, baixou a voz e soprou entredentes: I don't know!

A pobre Maria, do alto de sua experiência de quase 20 anos de limpar a sujeira humana, nunca tinha visto nada parecido. Levou um susto e só pôde articular: ...como é que é?

A Alba deles nem se tocou, achou que ela não tinha ouvido. Repetiu a pantomima, agora falando mais alto: I DONT KNOW.

Nessa hora, alguém deixou escapar um fio de riso que imediatamente se transformou num mar de gargalhadas. A Alba deles descobriu -- do único modo possível, mas da maneira mais desagradável para ela -- que acabara de pagar um baita mico.

P. Kantek (com história do P. Miranda)