Flagrantes: Do outro lado do mundo

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro - GAC

Há um mês uma colega nossa foi a trabalho para o Japão. Representava um dos grupos brasileiros, no âmbito da ISO, que trata sobre Normas Internacionais de Software. Diga-se que é bem importante a participação do Brasil nesse fórum de normalização internacional.

A primeira parte do causo é sobre as 27 horas passadas dentro de um avião repleto, com mais de 400 pessoas. Nossa colega teve o azar de sentar na última fila, logo ao lado dos (inúmeros) banheiros do avião. Fica para você leitor, imaginar o que foram as últimas horas do vôo. Um autêntico suplício. Parecia que aquele lugar não chegaria nunca. O mundo pode ter encolhido pela globalização e pela Internet, mas quando você tem de ir fisicamente lá, ele continua grande e os lugares continuam longe, longe e longe.

Chegando em Tokio e estando com o fuso horário completamente virado do avesso, nossa personagem trancou-se no hotel onde transcorreu o seminário. A primeira decepção foi a de que sem falar 1/2 palavra em japonês, embarcou-se ela confiando no seu até razoável inglês. Chegando, ela continuava falando o inglês, mas a turma de lá é que não falava patavina do idioma Shakesperiano. Conclusão: tudo na mímica. Imagine você tendo de se comunicar com um grupo de pessoas, sorridentes e inclinando-se o tempo todo a título de saudação, sem poder usar uma única palavra.

No último dia foi o dia dos passeios, das compras, do relaxamento. Tanto relaxamento houve que, no meio da tarde, surgiu uma necessidade... podemos chamá-la de fisiológica, porque aqui ou no Japão nosso organismo continua funcionando. Sabendo que a sociedade lá é muito diferente de cá, ela procurou um hotel 5 estrelas, perfeitamente ocidentalizado, onde alguns falavam inglês, tudo para minimizar um possível mico, porque com essas coisas não se brinca.

Entrou no hotel, depois no banheiro e AHHH, que susto. Todos os vasos não eram vasos e sim latrinas de quartel (um buraco com duas pequenas plataformas para o cliente encaixar os pés). Nada mais. O negócio é ficar de cócoras e mirar. Imediatamente pensou: entrei no banheiro do sexo errado. Saiu correndo e olhou na porta: uma figura claramente feminina (e cor-de-rosa) a tranqüilizou. Banheiro certo mas, cá pra nós, que coisa mais esquisita. Pesando calmamente os prós e contras de se usar dessa "tecnologia", veio uma luz salvadora. Havia um banheiro com vaso, reservado para pessoas deficientes. Bom, nossa colega não é deficiente mas não tinha nenhuma vontade de se acocorar.

Olha pros lados, ninguém presta atenção, escafede-se para o dito banheiro, tranca a porta e UFA... que alívio. Que valor tem um singelo vaso sanitário nessas horas de aperto, não é?

Passaram-se alguns instantes e num ato contínuo ela foi pressionar a descarga. Uma força quase sobrenatural segurou-lhe a mão. Olhou o botão com cuidado. Embaixo dele havia um cartaz cheio de dizeres... em japonês. Que estranho... ter tantas instruções assim para apertar a descarga, mas enfim... pensou, e de modo quase automático mandou ver, pressionando o botão.

Meu Deus, quase desabou o mundo. Não era descarga e sim um fortíssimo alarme a ser chamado quando o deficiente, por algum motivo, precisasse. Que baita azar: ela querendo se enconder, passar desapercebida e um imenso UOIIIN, UOIIIN ressoando por todo o prédio. Ela apertava e reapertava o maldito botão querendo desligar aquela coisa e tudo o que ela conseguia era mais UOIIIN, UOIIIN.

Um batalhão de japoneses, todos sorridentes e sem falar inglês, foi acudir. O pior foi ter que se explicar, tintim por tintim, usando mímica, muita mímica.

Moral da história: quanto mais a gente foge de um mico, mais o bicho implacável nos persegue, não é mesmo?