Flagrantes: O Criador dos Algoritmos

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro - GAC

Não custa lembrar que as centenas de milhões de computadores que estão por aí, na face da terra, rodam programas. E, um programa nada mais é do que a materialização de um algoritmo. Assim, o conceito de algoritmo adquiriu alguma importância no nosso dia-a-dia. Eis a razão pela qual voltamo-nos para a história da vida daquele que é considerado o criador do conceito.

Fala-se de Leonard Euler, nascido na Basiléia em 1707, filho do pastor calvinista Paul Euler. O pai já havia escolhido a profissão do filho: Teologia. Embora dono de um talento impressionante para a matemática o filho obedientemente foi estudar teologia e hebraico na Universidade da Basiléia. Lá travou contato com dois irmãos Daniel e Niklauss Bernouilli, que vêm a ser membros da famosa família de matemáticos. Nada menos que 8 componentes deste clã deixaram seu nome na matemática em espaço inferior a 100 anos. A família Bernouilli era famosa: Daniel contava que um dia recebera o maior elogio de sua vida. Viajando incógnito, durante uma passeio, travou conversa com um desconhecido. No meio do papo, humildemente, apresentou-se: "Eu sou Daniel Bernouilli", ao que o conhecido fez cara de zombaria e respondeu cheio de pompa "E eu, sou Isaac Newton". Nos dias de hoje se diria "e eu, sou a Madonna".

Pois, voltando aos dois irmãos, logo depois de terem conhecido Euler, chegaram à conclusão de que valia a pena a humanidade perder um pregador medíocre em troca de um grande matemático. Foram convencer Paul Euler a que liberasse o filho. O velho Paul, que fora contemporâneo na escola de Jakob Bernouilli, o pai de todos, e tinha pelos Bernouilli muito respeito, aceitou relutantemente que o filho deixasse a Teologia.

O bacana passou a se interessar por quantos problemas passassem perto dele: estudou a navegação, as finanças, acústica, irrigação, entre outras questões. Cada novo problema levava

Euler a criar matemática inovadora e engenhosa. Conseguia escrever diversos trabalhos em um único dia e contava-se que entre a primeira e a segunda chamada para o jantar, era capaz de rascunhar cálculos dignos de serem publicados. Euler tinha memória e intuição e com eles trabalhava. Era capaz de realizar um cálculo completo de cabeça, sem pôr o lápis no papel. Foi conhecido ainda em vida como "a encarnação da análise".

O primeiro algoritmo de que se tem notícia, trabalhado por Euler, é a previsão das fases da lua. Relembrando, a terra atrai a lua e a lua atrai a terra, e o conhecimento deste fato com precisão ajuda a criar tabelas de navegação, fundamentais para um navio descobrir onde está. Não nos esqueçamos que estamos no século XVIII, muito antes da existencias dos GPSs da vida.

O cálculo do comportamento da lua seria quase trivial se não aparecesse na história o sol. É o assim chamado "problema dos 3 corpos". Euler não achou uma solução, que de resto até hoje não existe, mas trabalhou num algoritmo que permitia calcular um primeiro valor aproximado para a posição da lua. Reintroduzindo essa primeira posição no mesmo algoritmo, era possível obter um novo valor melhor, e agindo sucessivamente dessa forma poder-se-ia chegar ao valor com a precisão desejada. O Almirantado Britânico pagou 300 libras (um dinheirão) a Euler pelo algoritmo. Pensando bem, Euler deve ter sido o primeiro programador profissional da história do mundo.

Quando passou pela Rússia, Euler foi convidado pela czarina Catarina (a grande) a ajudá-la a resolver um imenso abacaxi. Andava pela corte Denis Diderot, francês famoso e ateu convicto. Didedot passava seu tempo tentando convencer as pessoas de que Deus não existia, o que deixava a religiosa Catarina furiosa. Euler, disse "deixa comigo" e imediatamente proclamou ter uma prova algébrica da existência de Deus. Rapidamente, Catarina convidou toda a corte para assistir o dilema teológico entre Euler e Diderot.

No grande dia, Euler levantou-se, pigarreou, dirigiu-se à lousa e escreveu:

"Senhor, (a+bn)/n = x, portanto Deus existe, refute!"

O pobre do Diderot que era uma nulidade matemática não conseguiu dizer nada e humilhado, deixou a corte. Não é necessário explicar, que o argumento do Euler é um baita facão. Ele deve ter sido um ótimo jogador de truco.

Outro problema estudado, pelo qual é atribuido a Euler a paternidade da Teoria dos Grafos, é o famoso problema das pontes de Königsberg (atual Kaliningrado). Explica-se: corta a cidade o Rio Pregel, formando o seguinte padrão de 4 regiões (margem esquerda, direita, ilha pequena e ilha grande) e 7 pontes.

 

Desde a idade média desconfiava-se que não era possível sair de um lugar qualquer, atravessar as 7 pontes uma única vez cada uma e retornar ao ponto de partida. Euler conseguiu mostrar que para este caminho existir cada ponto deve ser ligado por um número par de pontes (ou deve haver apenas 2 lugares com pontes ímpares, se estes lugares forem a saída e a chegada e forem diferentes entre si). Até hoje, na teoria dos grafos, um caminho que goze desta propriedade é chamado caminho Euleriano.

É de Euler a primeira contribuição importante para a solução do Último Teorema de Fermat (não existe n tal que xn + yn = zn, para n>2). De fato ele provou que o teorema era verdadeiro para n=4.

Com a idade de 28 anos, Euler perdeu a visão de um olho, por isso grande parte dos retratos dele que foram preservados o mostra como caolho. Longe de incomodá-lo este problema não deixou seqüelas, de fato ele chegou a dizer que agora teria menos distrações com um olho a menos.

Com a idade de 60, surgiu uma catarata no olho bom, e antes que ele ficasse cego, começou a treinar a escrita com os olhos fechados: não queria parar de produzir. Pelos próximos 17 anos continuou criando matemática da melhor qualidade. Seus colegas chegaram a dizer que aparentemente a cegueira ampliara os limites de sua imaginação. Em 1776 operou-se-lhe a catarata e por alguns dias ele voltou a enxergar. Mas logo depois veio uma infecção (ainda não havia antibióticos) e ele voltou a mergulhar na escuridão. Não se abalou e continuou a trabalhar até a idade de 84, quando segundo Condorcet, deixou de viver e de calcular.