A Internet mudou tudo? (CONIP 99)

Autora: Maria Alexandra V. C. da Cunha – CAC    

No CONIP99 – Congresso Nacional de Informática Pública, assisti a palestra "A Internet mudou tudo", apresentada pelo professor Dr. Nicolau Reinhard. Ele é uma das autoridades nacionais em informática pública e pertence ao corpo de professores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Este é um texto livre produzido a partir das minhas anotações na palestra e não foi por ele conferido.

 No começo da apresentação ele mudou o título da palestra, de "A Internet mudou tudo" para "A Internet mudou tudo?". É uma interrogação. Será que a Internet mudou mesmo tudo? Hoje, quando as implantações de sistemas falham, continua sendo mais por questões organizacionais, problemas políticos ou disputas de poder, do que por problemas técnicos. Como sempre foi.

 Um ponto que efetivamente mudou foi a ênfase da aplicação da tecnologia. Na era do "processamento de dados" o objetivo era automatizar processos, tanto no setor público como nas organizações privadas. O desafio que enfrentávamos era entender as atividades isoladas. Por vezes conseguíamos automatizar processos inteiros e por vezes, poucas, tínhamos a oportunidade de reengenhar processos, redesenhá-los como um todo, com o uso da Tecnologia da Informação.

 Na era da informação, a ênfase é focar no indivíduo, no cliente. Vemos no setor financeiro alguns bancos que são bons em vender produtos, são especialistas em produtos, mas há outros que, por decisão estratégica de negócio, voltam sua estrutura para atender o cliente como um todo.

 O paralelo para a área pública é o atendimento ao cidadão. Os portais de serviços públicos que começam a surgir são a materialização dessa idéia, facilitar a vida do cidadão.

Estágio

Descrição

Ênfase

1

Controle físico de documentos, antecede a automação. Execução das tarefas.

2

Processamento de Dados, baseados em sistemas isolados para funções específicas. Eficiência das atividades, controle gerencial.

3

Administração dos recursos da Informação. Descentralização parcial dos recursos, integração de aplicações e compartilhamento de recursos de rede. Eficácia dos processos de gestão da infra-estrutura.

4

Sistemas estruturadores de processos interorganizacionais. Desempenho do negócio.

5

Desintermediação da comunicação com o público. Competitividade.

6

Centros de atendimento integrado ao público, num local físico ou através de um portal na Internet. Atendimento integrado à pessoa.

 

Tabela 1 - Do cartão perfurado à Internet


Na tabela 1, os estágios 1, 2, 3 e 4 correspondem à era do Processamento de Dados e os estágios 5 e 6 à era da Informação.

No estágio 3, quando se inicia a administração dos recursos de informação, os problemas de integração eram a barreira a ultrapassar. O fracasso de sistemas era por problemas de integração organizacional. Lidávamos com os famosos "donos de sistemas". A gestão dos sistemas de informação tinha que se focar nos problemas das organizações para garantir que se alcançassem os benefícios desejados.

O estágio 4 foi, pelo menos na área pública federal, a época de instalação dos grandes sistemas estruturadores de processos interorganizacionais. Sistemas que davam suporte a atividades comuns a várias organizações, estruturadores da função pública. O SIAFI, por exemplo, para que fosse implantado, dependia de condições favoráveis muito fortes, de vontade política. Foi um sucesso pela articulação bem feita dos vários parceiros e atores do processo. A motivação, neste estágio, é viabilizar o negócio como um todo, mas freqüentemente os benefícios não são quantificáveis.

No estágio 5 a palavra mágica é "desintermediação", simplificação de processos. No estágio anterior, descentralização foi palavra-chave. Agora, há uma recentralização dos sistemas, com capilarização dos pontos de atendimento que no limite chega a um ponto de atendimento para cada indivíduo. A inteligência do sistema está centralizada, a ponta tem pouca inteligência, um browser comum a tantas outras aplicações é suficiente.

 No estágio 6, há a criação de centros de atendimento integrados ao público, sejam eles num local físico como as Ruas da Cidadania (PR), os SACs (BA) ou os Poupa-Tempo (SP), ou através de um Portal na Internet. Os objetivos são atingidos se o cidadão conseguir, através de um ponto único, resolver todas as suas demandas com o governo, o que requer integração de processos de negócio numa forma única. É claro que se enfrentam empecilhos vários de natureza cultural, processual e por vezes até de natureza jurídica. Na área municipal o desafio é ainda maior pela diversidade de processos, pela natureza das demandas e pelas múltiplas formas de atendimento ao cidadão . Esta é uma etapa que ainda está à nossa frente e com a qual podemos melhorar efetivamente a qualidade da prestação de serviço ao cidadão.

 Inúmeras instituições públicas, nos governos municipais, estaduais e federal construíram sites para atendimento ao cidadão. Sobre os sites existentes no Brasil na área pública, é possível uma classificação :

  1. Informações sobre a instituição. São sites que apresentam textos com informações institucionais sobre as organizações públicas aos quais estão ligados.
  2. Orientação quanto a serviços e procedimentos. Nestes sites são apresentados endereços, telefones, quais são os passos a seguir e quais os documentos necessários em cada passo dos processo da organização. Estes sites também indicam (ou deveriam fazê-lo) a quem a pessoa deve se dirigir numa dúvida adicional, com um telefone, e-mail ou endereço. A manutenção destes sites exige que haja atualização constante, para que não sejam apresentadas informações desatualizadas.
  3. Consulta a arquivos de transações. A pessoa pede informações sobre si mesma em cadastros públicos (por exemplo, quais multas para o meu carro, qual o meu consumo de energia, como está o andamento de um processo, etc).
  4. Permite realizar transações on-line. Estes sites permitem realizar transações isoladas como pagamentos ou atualizações de endereço. Já há exigência pela construção de um considerável aparato de segurança para proteção das informações.
  5. Permite completar processos on-line. Nestes sites o cidadão consegue não uma ou outra transação, mas completar o processo todo.

Permite executar processos interorganizacionais. Sites que permitem ao cidadão executar processos que, para serem finalizados, envolvem o relacionamento com mais de uma instituição. Os processos aqui têm que ser vistos de forma integrada, para serem desenvolvidos têm que ser descobertas formas de lidar com as várias dificuldades e particulariedades dos vários órgãos públicos.

 As dificuldades enfrentadas no Brasil para sair de um Estado compartimentalizado, onde cada organismo enxerga apenas a sua parte no relacionamento com o cidadão, não são privilégio nosso. Os relatos de casos de implantação de serviços públicos pela Internet em outros países são pródigos em dificuldades de integração, muito semelhantes às nossas.

 Na construção da prestação de serviços ao cidadão através de portais na WEB, deve ser lembrada a inclusão social. Mecanismos de democratização do acesso à Internet, disponibilização de pontos de acesso e facilidade de uso dos serviços são fundamentais para que a população usufrua dos investimentos desenvolvidos.

 Nos projetos de desenvolvimento dos serviços ao cidadão através de portais, e na sua implementação, a motivação para o negócio tem que estar muito clara. O benefício tem que ser visível, ou econômico - para o cidadão ou para a administração - ou político - para a organização. Há que se definir quem são os agentes envolvidos e obter viabilidade política, apoio político na implantação.