Mais um Mestre Que Se Vai

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro

Mestre aqui não é o ser superior que tudo sabe, mas o passageiro que por coincidência sentou ao nosso lado nesse trem meio enlouquecido que é a vida, trem esse que não sabemos de onde vem ou para onde vai.

Pois esse mestre ensinou-me muitas coisas: Uma delas é que as pessoas não são incompetentes ou estúpidas por natureza. E, que muitas vezes, estão embuídas do melhor espírito de acertar. O que quase sempre lhes (nos) falta, são instruções, orientações ou, em uma palavra, ensino do que fazer. Mas um ensino calmo, no ritmo do ouvinte, olho-no-olho, com ambos no mesmo nivel. Muito ao contrário do que vemos por aí, onde um sargentão (que não precisa usar farda, pode até usar saias) grita instruções para a tropa e ao final berra "alguém não entendeu ?". É claro que todos "entenderam".

Mostrou que a busca da melhoria das relações humanas é processo demorado, cansativo, cheio de obstáculos e armadilhas, mas possível e sobretudo gratificante. Dizendo melhor, é processo caro, mas que recompensa cada vintém nele investido.

Ensinou-me que, na administração pública - como de resto na vida - não há esse negócio de tudo ou nada, de 80 ou 800, e que na maioria das vezes acaba dando em nada. Que, ao contrário, é possível fazer grandes coisas, fazendo um pouquinho de cada vez. Esquecendo o choro histérico que vê a humanidade contra nós e nosso trabalho e colocando um tijolo de cada vez. Ainda que dê muito mais trabalho colocar o tijolo do que ficar reclamando aos céus que "não nos deixam colocar tijolos".

Demonstrou na prática o valor da paciência. Na nossa convivência devo ter visto dezenas de momentos e situações em que qualquer um explodiria em gritos e imprecações e ele saiu-se airosamente. Não engolindo a raiva - que isso sempre dá indigestão - mas ouvindo e ouvindo sempre mais, deixando que as palavras se esgotassem, antes de sequer abrir a boca. Lembrei-me de uma frase de Tancredo Neves, que lhe cairia como uma luva: "fiquei rouco de tanto ouvir".

Não vou cair aqui no costume tão brasileiro, que é o de endeusar os mortos. Creio ser uma coisa bem hipócrita, e ele foi o anti-hipócrita por natureza. Portanto, saibam os leitores que me policio, talvez até em exagero, para não sair derramando laudatórios tão vastos quanto falsos.

Um ensinamento fantástico que ele ajudou a construir foi de que não é necessário sofrer para trabalhar. Dá para se divertir enquanto se fazem as 8 horas diárias de labuta. Que é possível aproveitar o que de bom o trabalho traz, e que não é necessário se violentar para fazer a parte chata e desagradável do dia a dia.

Nunca exigiu nada dos outros que não exigisse de si e sempre cobrou pelo exemplo. Pode ser acusado de várias coisas (é impossível satisfazer a todos e sempre, e afinal já dizia Nelson Rodrigues que a unanimidade é burra), mas nunca houve ocasião em que qualquer um não pudesse dizer o que pensava e ter a certeza de ter sido ouvido. De verdade e não apenas de aparência.

Finalmente, numa escala menor de importância, mas ainda assim bem importante, me ensinou a jogar bilhar, em finais de expediente alegres e confusos, enquanto a noite não vinha. Creio nunca ter jogado com ele em dupla, sempre foi contra ele. Isso deu origem a uma discussão que infelizmente ficou inconclusa: na minha opinião ele e o Jorge eram os patos, ao passo que na dele éramos eu e o Freitas. De qualquer modo, não posso esquecer dele entrando no bilhar e gritando quain, quein, com um sorriso e um cigarrão pendurados no beiço.

É isso aí, Mendes. Você foi mais cedo, mas deixou suas idéias. Não creio que você mesmo exigisse mais.

O Gerente de Atendimento a Clientes da CELEPAR, Rogério Ribeiro da Fonseca Mendes, faleceu em 9 de dezembro passado, aos 42 anos, vítima de enfarte.