Matrículas Qualificadas

Autor: Emanuel Mascarenhas Padilha -FUNDEPAR

MATRÍCULAS QUALIFICADAS

Curitiba, 13 de março de 1998.

Sob esse título, pretendi colecionar idéias, prospectar o futuro, descompromissado com o que se tem hoje ou com o possível na realidade atual.

Uma matrícula qualificada pelo seu conteúdo, diferente da atual, que é apenas um número a ser computado com uma porção de outros e que tem sido utilizada sempre como soma para servir de justificativa para espaços a construir, professores a contratar, porte de escola a definir ou gratificação ou nível salarial de diretor a conceder.

A matrícula em si, na sua individualidade, não tem tido maior significado por não ter qualquer qualificação.

É um número, e assim é tratada. Recentemente tem servido para orientar a reserva de matrícula em estabelecimentos mais próximos da residência do candidato.

Para a escola do próximo século, dotada de rede de comunicação internacional, conectada à Internet e possuindo possibilidades de oferecer conhecimentos tratados pedagogicamente pelos melhores especialistas do mundo, em cursos a distância ou assistidos via rede e orientados localmente, a matrícula de hoje é medieval.

Será necessário, ao se prospectar as necessidades futuras, do também futuro aluno, saber mais sobre ele; saber de suas possibilidades de aprendizado e do que traz como bagagem intelectual.

A criança que chega aos bancos escolares é um ser de possibilidades que precisam ser conhecidas e tabuladas.

É do conjunto de informações obtidas nesse primeiro encontro com a criança que se pode determinar, por exemplo, que formação deverá ter o seu "mestre"; que tipo de equipamento deverá estar disponível no ambiente escolar e quais os assuntos que deverão receber maior ou menor ênfase e ainda onde deverá estudar, que tipo de apoio logístico precisará ser engajado para aquele atendimento; profissionais especializados; ônibus, merenda, etc. A escola se moldará em torno das necessidades levantadas do seu público alvo.

Utopia? Talvez.

O Paraná estará aplicando mais de US$ 20,000,000.00 (vinte milhões de dólares) para equipar as escolas paranaenses de soft e hardware suficientes para bem gerir a administração escolar, recursos esses advindos do Projeto PQE. Estão sendo adquiridos equipamentos de última geração e softwares desenhados e customizados para as necessidades específicas da rede escolar. O Governo Federal também tem demonstrado muito empenho em dotar as escolas de todo o equipamento necessário para atender o ensino adequadamente. Por que não ter essa visão funcional das matrículas, agora, neste justo momento de definições? Mesmo que não se possa utilizar de imediato todas informações coletadas no sistema, sempre se poderá tabular, compor análises e realizar estudos para a utilização futura.

Creio que no primeiro momento é muito bom poder ter condições de um bom diagnóstico.

Os dados coletados no pré-escolar, os obtidos ao final do primeiro grau e os determinados no segundo grau, terão sempre como clientes a etapa seguinte. No entanto, hoje, pouco se aproveita além do fato de ser 1+1+1+......+n= x, em especial quando o estudante muda de escola. O histórico escolar é um conjunto de notas obtidas no período, que refletem muito pouco do quem é, de fato, aquele tal ser de possibilidades...

No entanto, poderíamos saber o seu peso, a sua altura, os seus hábitos e suas condições físicas. Poderíamos saber as razões de suas fraquezas e fortalezas, e todos os demais dados para os quais se desse alguma importância, para bem atendê-lo no seu momento seguinte de evolução.

A um ser de possibilidades não se vai negar o direito de mudar, de se transformar, de evoluir. Os dados deverão ser tratados como informativos das ações futuras e não uma camisa de força determinadora de uma máscara imutável.

Com as matrículas qualificadas poder-se-á ter cursos modulados, matérias ministradas com métodos adequados aos alunos-clientes; professores habilitados na resolução de problemas previamente conhecidos; escolas especializadas no atendimento de realidades conhecidas e equacionadas das comunidades onde existem; equipamentos específicos e salas especiais para o atendimento de deficientes de toda a ordem, etc.

Precisamos parar de nos surpreender com o que nos deparamos todos os anos. As realidades existem e podem perfeitamente ser conhecidas, tratadas tecnicamente e planificadas as formas e modos de atendimento com tempo de planejar o como, o quanto e o onde, sem perdermos tempo com as explicações dos porquês, resultantes que serão das matrículas, por fim, qualificadas.

Em síntese, por matrícula qualificada, deve-se entender a obtenção de dados significativos para a compreensão, a mais clara possível, de quem é essa pessoa que chega ao sistema educacional, e isso exige conhecimentos diversos como:

a) O que já sabe; o que domina e tem significado para a sua inserção no processo, com um mínimo de traumas;

b) Qual o ambiente sócioeconômico em que vive; onde mora, com quem e em quais condições;

c) Qual a sua história físico-sanitária;

d) Como tem sido sua relação com o aprendizado-histórico escolar;

e) Quais as suas expectativas e de seus responsáveis quanto a conteúdos de aprendizados a obter.

O Brasil, com um custo aproximado médio de 100 a 200 dólares/ano por matrícula no ensino fundamental, e de 600 a 1,000 dólares/ano para o secundário, precisa agregar valor ao primeiro encontro entre o sistema educacional e seu destinatário.

As taxas de repetência, próximas de 55% na primeira série do primeiro grau, demonstram claramente que esse encontro tem sido traumático.

Melhorar a eficiência dos gastos públicos - e neste ano de 1998 o MEC pretende adquirir mais de 100.000 (cem mil) computadores -, passa, necessariamente, pela melhoria dos softwares utilizados e, em especial, pela qualidade e relevância dos dados obtidos.

Uma fotografia detalhada, de corpo inteiro, das crianças e jovens que demandam o sistema educacional brasileiro, não pode continuar servindo apenas para compor estatísticas ou enriquecer currículos e biografias como vem acontecendo por décadas; é preciso prática, resultados concretos, efeitos visíveis, avanços palpáveis, hoje tímidos demais diante da grandiosidade do problema.

Caso contrário de tanto ver triunfar as iniquidades, a vergonha que citou Rui Barbosa em sua "Oração aos Moços", irá alcançar, entre os honestos, e, infelizmente, também uma grande parte dos educadores.

Quis externar esse conjunto de idéias não para criticar o que está feito, mas para, enfaticamente, qualificar o que será feito.

Por termos muito por fazer, temos que começar logo. A muralha da China também pode ser percorrida a pé. Só é preciso começar a caminhada.

Temos a vantagem de deixar à informática, o trabalho mais penoso de reunir os dados e tratá-los. Cabe-nos analisar e clarificar nossa visão estratégica do futuro desejado, para que esse esforço que faremos neste final de século seja útil para o amanhã previsível da nossa realidade educacional e não um mero instrumento de cartorialmente registrar o ontem mais depressa.

Este é um provocar, um desafiar para a busca do mais adequado, sem o vezo instrumental, do que estamos fazendo hoje mas do que se poderá fazer amanhã.

Plagiando CASTRO ALVES: Oh, bendito o que semeia, livros (e idéias) a mancheia e faz o povo pensar...