Mensagens não autorizadas via e-mail e os cadastros de posse dos provedores de Internet

Autor: George Luiz H. C. Gumiel

 

Aspectos Legais relacionados ao envio de mensagens não autorizadas via “e-mail” e a disponibilização de dados pessoais pelos provedores de Internet

A presente análise tem por objeto os aspectos legais relacionados ao envio de mensagens indesejadas via “e-mail”, e à disponibilização de dados cadastrais pelos Provedores de Internet.

O Brasil, por incrível que pareça, não possui legislação a respeito deste tema.

Em razão disto, temos presenciado o abuso ao direito à privacidade, principalmente através da utilização de propagandas por esta via, o que tem causado, sem dúvida, profunda irritação naqueles que possuem endereço na Internet, em razão dos transtornos acarretados pelo acúmulo de mensagens indesejadas em suas caixas postais.

Ante a falta de legislação, tem-se presenciado também o desrespeito ao direito à intimidade do cidadão, através da divulgação de dados pessoais, como endereço postal e dados cadastrais.

Muitos que se utilizam da remessa de mensagens publicitárias via “e-mail” procuram legitimar esta prática através, por exemplo, da identificação da mensagem como comercial, através da sigla: “MEPPS - Mensagem Eletrônica de Publicidade de Produtos e Serviços” ou incluindo ressalvas tipo: “Nós respeitamos o seu direito à privacidade. Caso não queira mais receber nossos “e-mails” favor responder a esta mensagem escrevendo no campo Assunto (Subject) a palavra: REMOVER”.

Outros mais ousados e menos escrupulosos lançam mensagens com a seguinte observação: “Esta mensagem é enviada com a complacência da nova legislação sobre o Correio Eletrônico, Seção 301, Parágrafo (a) (3) (c) Decreto 1618, Título Terceiro aprovado pelo 105º Cogresso Base das Normativas Internacionais sobre o SPAM”.

O fato é que, até onde pudemos pesquisar, este Decreto não existe e este Congresso nunca ocorreu.

Aliás, o que apuramos num primeiro momento é que a alusão a este Decreto que não existe decorre da distorção de uma legislação americana, o C.F.R. - “Code of Federal Regulations”, o qual, diferentemente do noticiado nas mensagens, pune com multas elevadas o envio de mensagens não autorizadas aos consumidores.

Portanto, ante a falta de legislação a respeito, cada um procura legitimar as suas mensagens através destes tipos de ressalvas, muitas das quais questionáveis, como no caso do Decreto e da Convenção acima aludidos.

A verdade é que o tema é controvertido, o que significa dizer que não existe ainda a respeito desta matéria uma posição a ser seguida. Os interesses que envolvem esta questão, principalmente econômicos, são muito grandes, o que fará com que estas controvérsias levem algum tempo para serem dirimidas, e para que o Judiciário venha a adotar uma posição uniforme.

O certo porém, é que todo tipo de propaganda, mensagens, etc., via “e-mail”, caracterizam-se como um “SPAM”, que pode ser definido como o: “envio de mensagens comerciais, correntes e propaganda em geral a uma ou mais pessoas sem que essa pessoas tenham solicitado as informações enviadas e sem que estas pessoas sejam clientes da empresa ou da pessoa remetente”, e como tal, tem a antipatia da maioria dos usuários da Internet, o que nos leva a questionar até que ponto este tipo de mensagem atinge o fim almejado pelas pessoas que as enviam.

Parece-nos que este tipo de mensagem acaba maculando a imagem de quem as envia, produzindo um efeito contrário ao desejado.

Alguns Provedores, por exemplo, obrigam o usuário, através de contrato, a não mandar mensagens periódicas ou não autorizadas via “e-mail”, com a adoção de cláusulas do tipo: “ O usuário compromete-se a não: - usar o serviço de “e-mail” para enviar pesquisas, concursos, pirâmides, correntes, lixo eletrônico, “spam” ou quaisquer mensagens periódicas ou não-solicitadas (comerciais ou não)...”.

O certo portanto, é que, ainda que não seja ilegal a remessa de propagandas, mensagens, etc., via “e-mail”, podemos dizer que elas são antipáticas, e muito malvistas, e há sim, um movimento no sentido de regulamentar este uso para coibir os abusos que estão sendo cometidos atualmente. Ainda que não ilegais, isto não significa dizer, por óbvio, que estejam liberados os conteúdos destas mensagens, e que normas jurídicas aplicáveis a outros ramos do Direito não possam ser aplicadas de forma analógica a certas práticas na Internet, fazendo com que aqueles que sejam responsáveis por mensagens de conteúdo difamatório, racista, etc., respondam civil e criminalmente pelos danos porventura provocados.

A Constituição Federal garante ao cidadão direitos fundamentais tais como o da intimidade e o da privacidade, e por conseguinte, ele tem direito em não ter a sua caixa postal invadida por mensagens indesejadas ou cedidas a terceiros sem a devida autorização de suas informações cadastrais, sob pena de infração ao direito à intimidade e privacidade do usuário, sujeitando o infrator ao pagamento de indenização pelo dano material ou moral decorrente desta violação.

Neste sentido a nossa legislação também é parca, existindo, porém, algumas normas que podem servir de subsídio em relação a esta matéria, como por exemplo o disposto no inciso X, do art. 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; (grifos nossos)

Por isso, entendemos que os dados pessoais, como os de identificação (nome, endereço, “e-mail”) devem fazer parte da “política de privacidade” dos “sites” e Provedores e, nesta hipótese, como contrato que é, dispor a respeito da disponibilidade ou não destes dados em proveito de terceiros.

O aspecto relacionado à responsabilidade dos Provedores em relação aos dados pessoais dos indivíduos toma relevância ainda maior quando o Provedor é órgão ou entidade do Governo de Estado, em relação ao qual, em razão de sua finalidade eminentemente pública, não se poderá tolerar a ofensa ao direito à intimidade do cidadão e a cessão a terceiros, principalmente particulares, de seus dados pessoais.

Ante o crescimento do universo da Internet, não resta dúvidas que a inércia legislativa em nosso país não poderá continuar por muito tempo. No entanto, enquanto esta inércia não tiver fim, caberá ao Judiciário se utilizar de todos os princípios de Direito e das normas esparsas existentes em nossa legislação, e não específicas, como a Constituição Federal, o Código Penal, etc., para solucionar os conflitos que vierem a surgir no universo da Internet no que diz respeito ao envio de “e-mails” indesejados e a guarda de dados cadastrais individuais.