Não corra!

Autor: Julian Carlo Fagotti

 

Ao chegar em Curitiba para dar aula numa universidade daqui, o afro-descendente impactou-se com a frente fria que bate em Curitiba. Do “Bom-dia” sem resposta à dificuldade de um dedo de prosa, tudo isto são coisas da cidade que são faladas em qualquer mesa de bar em que se reunam pés vermelhos e outros migrantes. Passou seis meses beirando a depressão, achando que o problema era com ele. Não adiantava a gente da maioria branca da capital dizer que era a cidade o problema, e não a sua cor. O título de doutor dissiparia qualquer preconceito. Geralmente o preconceito maior é com pobres, ser negro é agravante. Exceto de um outro amigo que teimava em dizer que ele deva ter roubado o diploma de alguém e por isso veio parar nas redondezas das araucárias.

Aos poucos ele ia sem querer tecendo a teia de amizades entre os bares, a universidade e a vizinhança. Até que um dia, finalmente, apareceu aquela amizade tanto esperada do sexo oposto.

Foi uma meia dúzia de encontros casuais em bares até ele reconstituir o ego e convidá-la para sair sem os amigos. Os mesmos que ele reclamou tanto não ter por aqui.

Marcaram de ver alguma coisa no Teatro Guaíra. Iam se encontrar na frente do Teatro.

O negão estava enferrujado. Ficou horas escolhendo roupa. Tomou banho, fez a barba. Logo depois, esqueceu e fez a barba de novo. Coisa de gente tensa.

Vestiu a roupa. Não gostou. Ficou alguns minutos resolvendo a adequação cromática entre a calça jeans e a cor do paletó.

Claro que este balé acabou gastando alguns minutos a mais do que o esperado. Saiu de casa com uma calça que não era jeans - tava aí o problema cromático.

Para dar uma descontraída e disfarçar a tensão ligou o rádio do carro. Distraiu-se e errou o caminho. Não estava acostumado com os binários planejados pelo IPPUC.

Passou na frente do Teatro e a viu, acenou, mas passou despercebido. Ela estava ocupada andando para lá e para cá na frente do pipoqueiro. Ele percebeu o movimento e o murmurinho do povo indo Teatro adentro. Tratou de procurar uma vaga para o carro. Deu uma volta na quadra. Não achou. Ampliou o perímetro. Achou uma vaga a duas quadras e meia da entrada do teatro.

Estacionou, desligou o carro, retirou a frente do toca Cds, abriu e fechou a porta num tempo suficiente apenas para sair do carro, e o trancou em seguida. Sabendo que já estava atrasado saiu correndo pela calçada com a frente do toca Cds na mão.

Num milésimo de segundo teve um raciocínio quase como um reflexo e começou a caminhar vagarosamente. Relembrou passo por passo daquele espasmo extremamente lógico: “Não corra! Eu, negro, bem becado, de terno e tudo, mas negro. Correndo à noite, com a frente de um toca Cds na mão. Se a polícia passar não vai ser fácil explicar o que está acontecendo. Vou chegar atrasado, ela vai entender. E caminhando vou chegar legal, sem cara de desesperado e suado. Vou devagar. Bem devagar. Ela vai entender.”

Hoje eles têm o João Pedro, que também não pode sair correndo na rua com toca Cds na mão.

Assessoria de Comunicação