Napster

Autor:Pedro Luis Kantek Garcia Navarro- GAC

 

    

Como um engenheiro de software de 19 anos, com uma idéia na cabeça e grafite na lapiseira, inventou uma dor de cabeça para a rica indústria fonográfica internacional.

Tudo começou com o surgimento do CD, há cerca de 15 anos. Pela primeira vez, músicas eram guardadas não como sulcos em plásticos (LPs) ou como padrões de magnetismo (fitas K7), mas sim como dígitos binários. Um segundo de som gravado em um CD corresponde a 44.000 bits. Esse conjunto de informações contém amostras do som, bem como os registros de freqüência e amplitude das amostras.

Enquanto os computadores e principalmente a Internet ainda não eram populares, o formato CD estava protegido: apenas instalações industriais especializadas e sofisticadas podiam produzir CDs. O primeiro estágio que levou ao Napster foi a introdução do padrão MPEG junto à indústria de informática. Este padrão visava orientar a produção de conteúdos multimídia em aplicações multimídia. Aquele padrão do CD (44.000 bits/segundo), embora excelente para a qualidade sonora, era (e é) inadequado para uso em aplicações computadorizadas, como por exemplo uma enciclopédia ou um jogo, pois desperdiçava o rico espaço em disco. O grupo MPEG, reunindo experts de computação e de mídias, bem como fabricantes e universidades, publicou diversos padrões, entre os quais o padrão MP3, que permite gravar um som com qualidade tão boa quanto um CD, ocupando cerca de 10% do tamanho original.

Dica: O formato MP3 usa um algoritmo de compressão para arquivos sonoros que reduz os arquivos em 90%, sem perda reconhecível de qualidade

Um CD original tem espaço para cerca de 700Mb, o que permite 1 hora de gravação no formato original de CD (também conhecido como CDA). Se, em vez de se usar este formato, se usar o formato MP3, pode-se ter o equivalente a 8 ou 10 horas de música no mesmo CD. Eis aí a grande vantagem do formato MP3 e eis aí porque esse assunto deixa, literalmente, muitas pessoas de cabelo em pé.

Tudo porque, de acordo com as legislações mundiais de direitos autorais, quando alguém compra um CD musical, não é a música que está sendo comprada e sim o direito único e individual de ouvi-la. Afinal, como já dizia a mulher de Rui Barbosa, "o conselheiro come"1. É o mesmo princípio do software ou de um livro. Nenhum deles pode ser copiado sem o pagamento dos direitos do autor.

1Segundo relatado por João Ubaldo Ribeiro, o senador baiano Rui Barbosa, graças à sua fama e cultura, recebia inúmeras solicitações de conselhos jurídicos. Sendo muito reservado, não costumava tratar de honorários e, na mais das vezes, seus interlocutores não faziam nenhuma questão do assunto. Conta João Ubaldo que cada vez que saía um, a mulher de Rui Barbosa tratava de cercar o cliente e rapidamente elaborar as tratativas de pagamento, pois afinal "o conselheiro come".

O formato MP3 permite algumas abordagens bem interessantes: por exemplo, a passagem dos antigos LPs para CD no formato MP3. Cerca de 12 LPs cabem em um CD e não há nenhuma violação de direito, pois que o mesmo já fora pago ao se comprar o LP. O que ocorre agora apenas é uma "atualização" de mídia. Permitiu também o surgimento de uma cultura MP3 na Internet. Dizem que mais de 20% do tráfego Internet é composto de arquivos com este formato. Inúmeros sites são dedicados a arquivos MP3. Um deles, o www.mp3.com, é extraordinariamente completo. Possui um serviço de montagem de CDs (em MP3) denominado MyMP3, que esteve fora do ar durante 7 meses por questões legais. Nele, você pode usar músicas de um CD desde que apresente o rótulo original do mesmo. Mas, um aspecto importante dessa tecnologia é a divulgação de músicos "de fundo de quintal", que de outra maneira não teriam como divulgar seu trabalho.

Exemplo real: Um CD de músicas MP3 de compositores desconhecidos, obtido no site www.mp3.com, tem cerca de 7 horas de música inédita da melhor qualidade. Alguns autores (como por exemplo um tal de Signorille) compõe com a leveza de Haydn e a riqueza melódica de Brahms. E, de graça.

A indústria está em guerra permanente com os sites que divulgam músicas no formato MP3 que estejam protegidas por direito autoral. Volta e meia aparecem nos jornais veredictos dando vitórias a uns e a outros. De um lado a indústria tem a seu favor a razão, e de outro o formato MP3 tem a seu favor a inviabilidade de coibir seu uso.

Estava-se nesse pé quando Shawn Fanning, o tal do programador de 19 anos, criou o Napster. Trata-se de um programa que, quando é carregado, estabelece uma conexão com um servidor Napster e oferece a esse servidor todos os arquivos MP3 que existam no computador onde ele está sendo rodado.2

2É claro que o operador pode inibir este oferecimento, mas aqui está o grande atrativo do Napster.

Assim, a qualquer hora do dia ou da noite, há milhares de computadores conectados oferecendo seus arquivos MP3 a qualquer usuário do Napster. Quando algum usuário quer carregar uma música, ele comanda um "search" no servidor Napster, que retorna uma lista de todas as ocorrências da música, autor, intérprete, etc., solicitados. Se o operador comandar um download, a comunidade Napster (o solicitante, o servidor e algum provedor adhoc alhures) passa a trabalhar em conjunto para trazer o arquivo MP3. Note que o servidor não está infringindo nenhuma lei, pois ele não contém nenhum arquivo MP3.

Seja um exemplo hipotético: Eu tenho as 9 sinfonias de Beethoven guardadas em MP3 no meu micro. Se carregar o Napster, estando conectado à Internet, automaticamente passo a ser conhecido por um servidor (em NY?) e através dele a oferecer ao mundo as 9 sinfonias. Se um usuário na Malásia comandar uma pesquisa procurando a sinfonia Eróica de Beethoven, o servidor em NY afirmará a ele que no Brasil tem um gajo (eu) que tem o arquivo. Se o malásio comandar o download, o servidor busca os pacotes aqui e entrega-os lá.

Dá para imaginar o tamanho da fúria que atacou a indústria. O site oficial do Napster andou fechado durante uns tempos por ordem judicial (está no ar de novo) mas, de qualquer maneira, já havia milhões de cópias do programa. Uma banda de nome Metallica, que não conheço, mas deve ser de hard rock, jogou pesado e entrou na justiça, obrigando o Napster a excluir dos servidores 317.377 usuários que tinham músicas da banda em seus micros. Os fãs reagiram, criando até um site para recolher contribuições para o Metallica deixar o Napster em paz (paylars.com). Não adiantou: Metallica e Napster não se entenderam e quem tinha "culpa no cartório"3 foi excluído da comunidade. Se o seu nome fizer parte da tal lista, você não consegue mais entrar no Napster. Não demorou nem 24 horas para que se disseminasse na rede um patch4 que dava uma enganada no Napster e permitia aos 317.377 sentenciados voltar ao ar. A comunidade Napster reagiu: o nome Metallica é palavrão para os Napsteiros.

3Músicas MP3 do Metallica no winchester.

4Um pequeno programa que "conserta" outro.

Para encerrar esta história, os interneteiros logo procuraram "corrigir" uma "deficiência" do Napster: a existência de servidores. Afinal, um servidor tem um endereço IP, pode ser desligado e seus responsáveis podem ser citados judicialmente. Nascia aqui a nova geração de compartilhadores de arquivos, dos quais o mais famoso é o Gnutella5. Faz a mesma coisa que o Napster, mas não existe a figura do servidor. Cada computador na Internet que o tenha carregado será um servidor. É claro que há um preço a pagar: o micro em questão fica um pouco lerdo, pois tem de atender a solicitações vindas literalmente de todo o mundo. Esta estratégia é denominada "a prova de ações legais", pois não havendo servidor, não há contra quem acionar. Outra diferença: com o Gnutella quaisquer tipos de arquivos podem ser compartilhados e não apenas músicas MP3.

5Também criado por um programador com cheiro de cueiro ainda: Justin Frankel, que há muitos anos criou o WINAMP e tem hoje 21 anos.

Para encerrar, uma reflexão a respeito da possibilidade de usar estas idéias no âmbito do Governo do Estado e algumas considerações:

a) A questão do direito autoral teria de ser tratada. Tudo o que fosse "compartilhado" teria de ser autorizado explicitamente pelo autor.

b) Um padrão de arquivos disponibilizados teria que ser criado. O que é disponibilizado, com que finalidade, com quais responsabilidades.

c) Finalmente, um programa similar ao Napster (PRGOVSTER?) teria de ser criado. Esta parte não assusta muito, pois o Gnutella tem código aberto6 e pode ser clonado sem muita dificuldade.

6Segundo a convenção de código aberto conhecida como GNU: todos podem usar sem pagar nada, exceto a disponibilização ao mundo de 100% do que for produzido.

Uma rápida viajada nos permite pensar nas seguintes possibilidades: livros e conteúdos de matemática, português, história, etc., produzidos nas Escolas do Paraná e compartilhados com o mundo. Idem para provas, exercícios, atividades. O mesmo para plataformas de software aberto, devidamente customizado para as necessidades do Governo. Livros de domínio público para construir bibliotecas virtuais nas escolas e casas do Paraná, devidamente enriquecidas pelas contribuições de nossos poetas e escritores que ainda estão no ciclo fundamental e médio, mas que um dia vão ser bestsellers.