O cidadão fica feliz quando gasta menos tempo com o Estado

Autor: Maurício Stunitz Cruz- GAC

No início de setembro aconteceu em Salvador o 1º Seminário Nacional de Administração Pública Gerencial. Sob o tema "A reforma administrativa e competitividade estatal: Eficiência, Responsividade e Cidadania" foram discutidos temas como Reforma do Estado, novos modelos organizacionais, políticas de RH e avaliação de desempenho, a utilização da Tecnologia da Informação na Administração Pública, centros de atendimento ao cidadão, avaliação de satisfação do cidadão, avaliação da gestão pública. De forma geral o congresso atendeu às expectativas, com destaques, na minha opinião, para as palestras da Ministra Cláudia Costin, da Professora Tânia Fischer da UFBA e do Sr. Divonzir Gusso, analista do IPEA.

Este artigo trata da apresentação da Ministra sobre o novo modelo de gestão que está sendo proposto na reforma administrativa promovida pelo governo Federal. A frase que está no título foi proferida pela Ministra durante sua exposição.

Quando se estuda a história da administração pública no Brasil percebe-se a recorrência do tema reforma administrativa. Diversas reformas foram tentadas, com as propostas variando de acordo com os condicionantes políticos, econômicos e sociais da época. Uma análise dos resultados indica a dificuldade para que sejam atingidos os objetivos propostos.

Desde o final do regime militar a reforma voltou a ser tratada como assunto prioritário. Com maior ou menor empenho (e eficiência) todos os governos pós-85 propuseram mudanças na máquina administrativa estatal. A "urgência" em realizar a reforma baseia-se em quatro dimensões a serem tratadas: o esgotamento do padrão de intervenção estatal; o desafio da consolidação da democracia; a crise fiscal do Estado; e a crise no gerenciamento do aparelho do Estado.

As duas primeiras possuem uma referência óbvia no fim do regime militar. Mas todas as quatro sinalizam uma mudança no paradigma político, administrativo e (por que não?) cultural vigente no país nos últimos sessenta anos.

Inaugurado na era Vargas, o modelo de intervenção estatal permitiu a mudança da matriz produtiva (gradativamente passamos de uma economia baseada exclusivamente na agricultura para uma economia com inserções sólidas na indústria e no setor de serviços) e a modernização das relações sociais do Brasil. Neste modelo, o Estado, independentemente da ideologia de seus governantes, assumiu o papel de produtor de bens e serviços, concorrendo (quando não era monopolista) direta e indiretamente com a iniciativa privada. No final da década de setenta, o modelo apresentou sinais evidentes de esgotamento. Isto se deu pela sua inevitável associação com o regime militar, mas também, e fundamentalmente, pela perda da capacidade de financiamento do Estado. A perda de capacidade de financiamento do governo se deu por circunstâncias político/econômicas internacionais, pelo crescimento da máquina estatal e pela crescente complexidade dos processos produtivos nos quais ela estava envolvida.

Neste ponto passa-se a tratar de outra dimensão de análise: a crise fiscal. Esta dimensão pode ser resumida na incapacidade dos governos (em todas as três esferas) de manter um perfil de despesas ascendentes sem a contrapartida de um aumento equivalente de receitas (oriundas de impostos ou outros tipos de financiamento, inclusive o financiamento inflacionário) ou em uma melhoria significativa dos serviços prestados.

Para continuação da análise acrescenta-se a redemocratização do país. Existiam demandas sociais represadas por mais de duas décadas de regime autoritário. A estas demandas adicionaram-se conceitos relativamente novos como: exercício da cidadania, direitos do consumidor, controle e participação social. Estas "novidades" fizeram com que a sociedade brasileira passasse a enxergar o Estado sob uma ótica completamente nova. A ótica do cliente. E de uma cliente, espera-se, cada vez mais exigente quanto à qualidade dos serviços prestados pela Administração Pública. Com isso, o Estado deixa de ser visto como empregador; deixa de ser entendido como um colchão social na questão do emprego e retoma o conceito original de prestador de serviços.

Chega-se à quarta dimensão da análise. A soma dos três fatores analisados remete à evidente necessidade de reformulação na forma de gerenciamento do Estado. A administração pública no Brasil é uma entidade híbrida composta por características do modelo patrimonialista (onde o Estado funciona como uma extensão do governante); do modelo de administração burocrática (que enfatiza o controle rígido dos processos); e do modelo de administração gerencial, voltado para resultados de políticas públicas e ações governamentais e tendo foco no cliente-cidadão.

Segundo a Ministra "a adoção do modelo gerencial no serviço público, um dos objetivos centrais da Reforma Administrativa, dar-se-á num contexto em que o Brasil ainda não conseguiu superar completamente a herança nefasta do modelo patrimonialista e também não chegou a implementar integralmente (nem de forma eficiente, grifo meu) o modelo burocrático". Porém, face à baixa qualidade de serviços prestados por alguns setores da Administração Pública e à crescente demanda por parte da população de uma ação do Estado mais efetiva, não há mais tempo nem espaço para "etapismos". Não cabe a superação cronológica de etapas, mas sim o esforço para a implementação de uma rede de serviços ao cidadão que supra suas necessidades de forma eficaz e a baixos custos.

Para a Ministra, o caminho para atingir estes objetivos passa pela melhoria da capacidade de gerenciamento do Estado. Nesta nova etapa a administração pública se viabilizará pelo aumento de sua capacidade de gestão investindo na qualificação de seus quadros e na criação de uma infra-estrutura (jurídica, tecnológica) adequada às novas demandas, privilegiando sempre os aspectos éticos e a transparência das ações do Governo.

Um dos aspectos mais enfatizados (não só pela Ministra, mas também por outros palestrantes) para o aumento da capacidade de gestão do Estado está na questão da avaliação. Para Cláudia Costin "o Estado deve aprender a medir desempenho". E aí entra outra "novidade": a avaliação não deve se restringir aos processos administrativos e operacionais da administração pública, mas sim e, sobretudo, à qualidade dos serviços prestados. A Ministra observou que: "a auditoria estatal é tradicionalmente realizada em cima dos procedimentos internos (normas, portarias , atividades administrativas e operacionais, etc.). A ênfase do controle (auditoria) deve ser voltada para a sociedade. Para os resultados para a sociedade".

A experiência mostra que a Reforma do Estado é um processo longo e (possivelmente) doloroso. Sua efetivação não se dá pela promulgação de normas, mas sim por uma mudança cultural. A norma apenas propõe a mudança, quem as concretiza são a pessoas. A mudança acontece pela ação das pessoas. É uma questão cultural e, portanto, demorada. A novidade neste quadro é que agora percebe-se a necessidade da participação da sociedade. "O debate sobre a reforma tem sido pobre, tem faltado a participação do cidadão" na opinião da Ministra.