As Organizações como Sistemas Políticos

Autor: Mauricio Stunitz Cruz

 

Introdução

As organizações, como os governos, sempre empregam algum tipo de sistema de regulamentos, como meio de criar a ordem entre seus membros. A análise política de uma organização pode dar uma valiosa contribuição à análise organizacional.

Este texto foi extraído/resumido/adaptado (que me perdoe o autor pelos eventuais equívocos), de um livro de 1986 (em 1990, ano de impressão do exemplar que utilizei, já estava na 11. edição), de Gareth Morgan, chamado "Imagens da Organização".

No início dos anos 80, foi muito popular nos Estados Unidos a utilização de metáforas para explicação dos fenômenos organizacionais. A Teoria da Organização em voga era o Desenvolvimento Organizacional (conhecido como D.O.) e surgiram diversos estudiosos contrapondo-se a essa teoria. Este autor é um deles, e utiliza diversas metáforas (que ele chamou de imagens) para representar, ou para analisar, os aspectos de uma organização. Ele diz que usando diferentes metáforas para compreendermos o caráter complexo e paradoxal da vida de uma organização, seremos capazes de gerenciar e projetar organizações de formas que não julgávamos possível antes.

Se você se interessa por tentar compreender as organizações em geral, ou uma em particular, talvez você se interesse por todo o livro. Aqui vai um "super-resumo" das outras partes:

As organizações como máquinas. Mostra como este estilo de pensamento de visão da organização está por trás da formação da organização burocrática, e como os gerentes que vêem assim a organização tendem a gerenciá-la pensando que é uma máquina feita de diversos componentes interligados, onde cada um desempenha um papel totalmente definido no funcionamento do todo. Gerência deste tipo é, às vezes, um grande sucesso; outras vezes um grande fracasso.

As organizações como organismos. Foca a atenção sobre o entendimento das "necessidades" da organização, e as relações com o meio ambiente. Começamos a ver diferentes tipos de organizações, pertencentes a diversas espécies, da qual a burocrática é apenas uma delas.

As organizações como cérebros. Esta metáfora dá importância ao processamento das informações, à aprendizagem e à inteligência, e dá uma referência para o estudo das organizações modernas, onde estes termos têm uma grande importância.

Organizações como culturas. A organização que reside nas idéias, valores, normas, rituais, e crenças, que a confirma como uma realidade construída socialmente.

Organizações como prisões psíquicas. De todas, a metáfora mais abstrata: a idéia que as organizações são prisões psíquicas, onde as pessoas começam a ser aprisionadas por suas próprias idéias, crenças, pensamentos. Será possível que muitas vezes nos tornamos prisioneiros dos nossos pensamentos, confinados e aprisionados pela maneira como pensamos? Esta parte é bem complexa, ao invés de eu tentar explicar, é melhor você ler o original.

Organizações como instrumentos de dominação. Mostra como organizações muitas vezes usam seus empregados, as comunidades, e até a economia, para alcançar seus próprios objetivos, e como a essência da organização é um processo de dominação onde alguns impõem o que querem a outros.

Desenvolvimento da arte de análise organizacional. Finalmente, ele mostra como deve ser feito o processo de análise, exemplificando com um caso prático, em meio a tantas metáforas.

Imaginização - uma direção para o futuro. Não é erro de tradução, e nem de ortografia, é imaginização mesmo. O autor cria este termo para focar a possibilidade de uma abordagem das organizações apoiada no potencial transformativo da organização, visualizada através de todas as análises e idéias por ele exploradas anteriormente.

As organizações como sistemas políticos

Usa-se uma metáfora política para tentar olhar os diferentes conjuntos de interesses, conflitos e jogos de poder que permeiam as atividades nas organizações. As organizações são vistas como sistemas de governo, apoiando-se em vários princípios políticos para legitimar tipos diferentes de regras, assim como os diferentes fatores presentes nas políticas da vida organizacional.

Organizações como sistemas de governo

Os tipos mais comuns de regimes políticos encontrados nas organizações são as autocracias (poder único, centralizado em uma pessoa), as burocracias (poder com o pessoal burocrático, de "escritório"), as tecnocracias (poder com o pessoal "técnico"), a co-determinação (quando há uma coligação de forças para assumir o poder, que podem nem se alinhar em valores; (mais ou menos tipo PSDB-PFL para a eleição presidencial), a democracia representativa (votamos em alguém para gerenciar a empresa) e a democracia direta (as decisões são tomadas por todos). É muito difícil encontrar uma organização que seja um deles por excelência, sempre há uma combinação de vários destes tipos.

Um dos comentários interessantes diz respeito às visões sobre o direito de participação na administração de uma organização. Alguns dos atores políticos envolvidos discordam da participação de empregados na administração. Os empresários, pelos motivos óbvios que já conhecemos. Mas há outros que discordam, e de dentro do movimento dos trabalhadores. Esses que são contra, acham que o envolvimento na direção da empresa cria uma situação que coopta, e que reduz o poder de discordar. Ao tomar parte do processo decisório, reduz-se o direito desse alguém se opor às decisões que foram tomadas. Há outras reclamações, tais como se ter diminuído o poder dos empregados levando-os a participar, às vezes, em decisões menores, compartilhando partes do controle menos importantes e, de fato, não sendo participativa a administração (participativa para escolher "a cor da tinta das paredes" e para não tomar parte nas decisões estratégicas).

Uma escolha organizacional, sempre implica em escolha política. Questões como estilo de liderança, autonomia, participação, relações poder-empregado, não são termos neutros, têm grande significado. Entendendo as organizações como sistemas políticos, temos meios para explorar a significância política destes termos e as relações gerais entre as práticas (políticas) e a organização.

Organizações como sistemas de atividade política

Para entender a dinâmica política diária de uma organização, também é necessário explorar o processo pelo qual as pessoas se engajam em atividades políticas dentro dela. Pode-se analisar as práticas organizacionais de um modo sistemático, focando o relacionamento entre interesses, conflito e poder.

As políticas organizacionais surgem quando pessoas diferentes, pensam de modo diferente e querem agir de modo diferente. Esta diversidade cria uma tensão que deve então ser resolvida através de meios políticos (autocraticamente, burocraticamente, tecnocraticamente, democraticamente, ...).

Para o entendimento das atividades políticas, devemos analisar os interesses, compreender os conflitos e pesquisar o poder, suas fontes e sua natureza.

Para analisar os interesses das pessoas, vamos dar uma olhada na figura 1

A ilustração expressa o relacionamento e tensão que existe entre o trabalho (a tarefa propriamente dita),

as aspirações de carreira, e os valores pessoais e de estilo de vida de cada pessoa (extramuros, externos à organização). O balanceamento entre os três conjuntos de interesses cria tensões que estão no centro da atividade política.

A área de convergência de interesses é diminuta (o pequeno triângulo no centro) e é por isso que a chamada "racionalidade" organizacional é um fenômeno raro (quando existe).

Figura 1 - Os interesses das pessoas

Para analisarmos os conflitos, é interessante pensarmos em alguns novos conceitos. Fomos habituados a pensar em conflitos como uma situação disfuncional, alguma coisa que deve ser resolvida, como uma tempestade que tem que ser acalmada para que se retorne à calmaria. Aprendemos que o ideal é a ausência de conflitos. Como não é possível, vamos "tratá-los", tão logo apareçam. Este autor tem uma opinião antagônica, mostra conflitos como uma situação natural, funcional, que dá movimento à organização. Eles sempre irão existir, às vezes explícitos, às vezes implícitos, de uma forma tão implícita que os próprios participantes não têm consciência deles. O próprio funcionamento da maioria das organizações já expressa um conflito em si, exige colaboração para o alcance dos objetivos comuns, objetivos da organização, mas estimula competição e desempenho diferenciado, seja de indivíduos, seja de grupos. A gerência que trabalha olhando conflitos como uma situação funcional, é diferente daquele que sonha com a ausência deles (às vezes trabalha para exterminá-los, às vezes finge que não existem, o que é ainda pior).

Para pesquisar o poder nas organizações, é pertinente deter-se sobre as fontes de poder. O autor cita quatorze fontes de poder (no livro discorre sobre cada uma), mas expressa que a lista não está completa, longe disso. Digamos que estas são as fontes mais comuns:

  • Autoridade formal.
  • Controle de recursos escassos ou estratégicos.
  • Uso da estrutura e regulamentos.
  • Controle do processo de decisão.
  • Controle da informação e do conhecimento.
  • Controle das fronteiras.
  • Habilidade de lidar com incertezas.
  • Controle da tecnologia.
  • Alianças interpessoais, organização informal.
  • Controle da contra-organização.
  • Simbolismo e gerência do significado.
  • Genêro e gerência das relações entre homens e mulheres.
  • Fatores estruturais que definem o palco de ação e
  • Poder pré-existente.

Ao se estudar o poder na organização, ou ao tentar compreender a sua estrutura de funcionamento, também deve ser entendida a sua natureza ambígua. Ele pode ser definido como um fenômeno comportamental interpessoal (entre pessoas) ou como a manifestação de valores estruturais entranhados, tais como a relação capital-trabalho, racismo, relação homens-mulheres. Se visto como um fenômeno comportamental, é intrínseco à organização. Se visto como a manifestação dos valores da nossa sociedade, então a análise é maior. De fato, acho que a estrutura de poder dentro de uma organização é uma combinação desses dois enfoques. Com certeza se estudarmos uma organização da África do Sul, pertencente a brancos, não encontraremos muitos negros em posições de exercício do poder, e isso não será reflexo do tipo de estrutura de poder implantado internamente à organização.

Visão pluralista

O que o autor defende ao longo deste capítulo que resumo, é que as organizações podem ser vistas como miniestados onde o relacionamento entre indivíduos e sociedade pode ser comparado com o relacionamento entre o indivíduo e a organização.

Olhando deste ponto de vista, o de ver as organizações como sistemas políticos, ele propõe que pode haver três tipos básicos de gerência, e sugere que estes três tipos não existem em sua forma pura, são sempre uma combinação, onde cada um predomina mais, ou menos.

O autor deu os nomes de "Unitária", "Pluralista" e "Radical", aos três tipos de gerência. E tentou traçar as características desses três tipos de gerenciar, explicitando como se comportam as variáveis "interesses", "conflitos" e "poder". É o que está expresso na figura 2. Eu chamaria estas três formas de gerenciar, ou de olhar a organização, de "ingênua", "concreta", e "xiita", mas vale a pena você olhar a figura, e concordar, ou discordar de mim.

Conclusão, e ressalvas

Olhar a organização através de uma metáfora política é interessante, porque temos a visão de que toda a atividade organizacional é baseada em interesses, e avaliamos todos os aspectos do funcionamento organizacional intrinsecamente relacionados com a política. Supera-se o mito da "racionalidade organizacional". Isso não existe, o que existe é uma mistura de interesses pessoais, que não convergem, e apesar disso tem que se administrar e dar uma direção ao movimento da organização. Ajuda a encontrar caminhos para superar as limitações da idéia que as organizações são sistemas integrados funcionais, e politiza nossa compreensão do comportamento humano na organização. Por fim, ajuda a reconhecer as implicações sócio-políticas dos diferentes tipos de organização e o papel que jogam na sociedade.

Mas também há ressalvas: Superdimensiona-se o componente político. Há outros, este é só um componente. Também gera-se cinismo, uma visão estritamente política é uma visão cínica da realidade, e pode-se reduzir esta compreensão política a um instrumento, a uma habilidade para conseguir vantagens.