A Polaquinha

Autor: Toshikazu Hassegawa - DECOM

Ela vinha com as névoas da noite, não se sabe de onde. Nem alta, nem baixa. Nem feia, nem bonita. Vestido curtíssimo de cores berrantes, botas de cor creme com cano alto e um tanto quanto surradas. O cabelo, também curto, oxigenados. Idade indefinida. E lá estava ela, com a pontualidade de uma funcionária exemplar, todas as noites, tentando ganhar honestamente seu pão na esquina da Rua do Rosário com a Nestor de Castro. Abra-se aqui um parêntese para explicar aos mais novos que, na provinciana Curitiba do final dos anos sessenta, a Rua do Rosário, como diria Nelson Rodrigues, era uma rua de vida dupla. De dia, totalmente família, com a algazarra das meninas do Divina nos finais das aulas da manhã, as senhoras subindo a ladeira carregando as sacolas com compras feitas na Batavo da Saldanha, Casa do Queijo ou Demeterco da Tiradentes, e as enfermeiras do Hospital Santa Cruz lagarteando ao sol após a geada. À noite, transformava-se num dos lados do polígono boêmio que se estendia até a Presidente Faria. Já a Nestor de Castro, fazia jus à denominação de travessa. Era uma rua apertada e decadente, demarcada por casas antigas, onde funcionavam alguns dos chamados hotéis (!!!) de alta rotatividade. Feche-se o parêntese.

Nesta esquina, onde hoje existe um escritório da SANEPAR, funcionava durante 24 horas por dia o "birô" de uma grande empresa multinacional, cujo nome omitiremos em benefício de algum possível remanescente do episódio. Bem na esquina envidraçada, ficava a sala onde o chamado "cérebro eletrônico" era uma modernidade destoante em meio àquelas casas velhas. E como sempre acontece e já foi assunto para outras histórias aqui neste espaço, o inevitável operador principiante e seus mestres, alguns ainda em atividade na CELEPAR e outras empresas.

Pois bem... Numa destas intermináveis noites, os mais velhos saem para um cafezinho no bar ao lado de um moquifo quase na esquina com a Saldanha. Não sem antes fazer as recomendações de praxe - "após o job que está rodando, submeter o sort que está na gaveta e separar o carbono dos relatórios bancários recém impressos". Terminado o job, lá vai o nosso aprendiz até o arquivo (nos tempos do cartão perfurado, arquivo era o próprio de aço, da marca Fiel, com logotipo de cachorrinho e tudo), apanha o deck, retira o elástico, coloca os cartões na leitora, reset, read e 000C (?!!!). Outro parêntese. Nos tempos gloriosos do IBM/360, modelo 20, as mensagens de erro eram exibidas em hexadecimal, num conjunto de leds no painel da CPU. Neste caso, o erro 000C indicava que algo de anormal estava ocorrendo na leitora de cartões. Fecha parêntese. Mas nosso operador já tinha um pouco de tarimba e reset, read e 000C. De novo? Dá uma ventilada nos cartões e... de novo. Maldito 000C. Máquina estúpida! Foi quando percebeu três batidas sutis no vidro. Doutro lado, ela gesticulava tentando chamar sua atenção. Hã? O que é? O quê? Encosta no janelão e faz o ouvido em concha. "Fala mais alto!" E conseguiu finalmente ouvir o som abafado por detrás da vidraça:

"Falta o cartão...", complementado com algo escrito em letra claudicante sobre o vidro embaçado - "// JOB".