Tempos Românticos (1)

Autor: Carlos Távora Seidl

Como se fosse um mineiro, apesar de ser carioca, vou lhes narrar um "causo" não ocorrido comigo, mas com um velho companheiro celepariano, ao qual pedi e me foi concedida autorização para dividir com vocês tão pitoresca ocorrência.

Vão se os idos de 1970 e poucos, no Rio de Janeiro, e o nosso colega João Luis Nascimento Palhares (vulgo Zé Carioca, para os íntimos e Paljhares, para o Credicard) trabalhava na saudosa Companhia Atlântica de Seguros, de propriedade do famoso, já então folclórico, Luiz Antônio de Almeida Braga (Braguinha para os amigos e Toninho para os íntimos, conforme ele mesmo se apresentava).

O Palhares gostava tanto de lá, que anos depois, quando eu o conheci, ele ainda guardava em sua pasta de uso diário, os contra-cheques da Atlântica e, ao vê-los, exclamava: Ah! COMO ERA BOM LÁ!

Neste ponto, para que vocês entendam o "causo" cabe uma explicação. Naquela época, (estou ficando velho!) trabalhava-se em máquinas IBM, da série 360. Não sei o modelo que existia na Atlântica, mas aqui na Celepar, em 1973, tínhamos um modelo 25, com a espantosa capacidade de 36 Kbytes de memória. Não está errado não, eram 36 Kbytes mesmo, sendo que 8 Kb eram para o sistema operacional DOS e o restante dividido em duas partições: BG, utilizada pelos programas, e F2, bem pequena, para listagem de SPOOL, por utilitário TAPE-TO-PRINT, pois, na época, não existia, pelo menos aqui na Celepar, o conceito de "SPOOLING" no sistema operacional. Era tudo direto. O programa mandava imprimir e a impressora, se não estivesse ligada, travava o programa ou o cancelava, mais ou menos como hoje é nos PC’s, sobre MS-DOS. Bem, uma das magníficas características destas robustas máquinas era sua console. Terminais, se existissem, eram coisa de ficção científica ou lá dos gringos. A console era uma máquina de escrever, logicamente IBM, daquelas de esfera intercambiável, que registrava tudo o que ocorria em folhas e mais folhas de papel contínuo, especial para a console. Toda a comunicação com o mundo, pelos programas, era feita através dela. Data do dia, parâmetros de execução, etc..., etc.., eram nela solicitados (DISPLAY UPON CONSOLE) e recebidos(ACCEPT ... FROM CONSOLE). Alguns programadores eram prolixos e colocavam> SR. OPERADOR: POR FAVOR, INFORME A DATA DE HOJE: OBRIGADO Outros, eram curtos e grossos: DATA?

Outros, motivo de broncas homéricas do velho "Müller", nosso saudoso chefe de programação (que breve terá suas desventuras aqui também relatadas), definia como "auto explicativos" pois, no meio da execução, disparava na console uma mensagem do tipo: REC FAT NUN PROC TRO TER - PROG CANCELADO. E o coitado do operador que procurasse entender o que tinha acontecido.

Bem, isto posto, voltemos ao "causo". Um belo dia, a produção da Atlântica mandou executar um determinado programa, feito pelo Palhares. O operador alimentou o deck de cartões (cartões existiam sim, eu trabalhei com eles!) na leitora de cartões, e o programa começou a executar. Bem neste momento, o já citado Braguinha, o dono da companhia, vestido na sua tradicional formalidade (camisa Lacoste, bermudas e sapatos mocassins, sem meias), adentrou à sala do computador.

O operador fica nervoso e tenso com a presença do patrão, pois não sabe como está o seu humor hoje. Neste momento o programa pede na console: INFORME A DATA (DD/MM/AA): O operador responde: (não sei ao certo, mas digamos algo como) 31/02/70 O programa, após invalidar a data informada pede, de novo: INFORME A DATA (DD/MM/AA):

O barulho da console chama atenção do Braguinha, que se dirige para ela. O operador, mais nervoso ainda, informa: 28/13/70 O Braguinha chega na console e começa a ler o que estava ali impresso.

O programa, por arte do nosso Palhares, na segunda data inválida apresentada, tomou sua atitude: SEU OPERADOR IMBECIL. V....., F..... da P..... x@ & @* ....... A console dispara, sua bolinha pulando como uma louca, escrevendo meia folha de impropérios, palavrões, desaforos e "otras cositas mas", espinafrando o operador. Ao final de toda esta lambança, pede: INFORME A DATA (DD/MM/AA):

O operador, diante daquilo tudo e com o patrão lendo por cima da seu ombro, congela, suando frio!

O Braguinha lê tudo, vira para o operador e diz, em um tom de voz bem bravo: Ó MEU! RESPONDE LOGO ISTO AI! E CERTO DESTA VEZ, POIS ESTA COISA CUSTA MUITO CARA PARA FICAR PARADA!

Imaginem a bronca que o operador ficou do nosso Palhares.