Um olhar (desconfiado) sobre a informática na educação

Autor: Luis Claudio Brito Patricio

 

No artigo anterior [5] foi discutida a importância da aplicação da informática na educação (IE) de forma consciente e foram apresentadas, de forma sucinta, algumas das diversas formas de inserir a informática no cotidiano escolar.

No presente artigo serão apresentados alguns pontos negativos da IE considerando apenas sua função didático-pedagógica, a mais difundida em relação aos alunos. Também serão brevemente expostas, algumas atividades práticas básicas que foram propostas na coleção de livros sobre informática na educação, compilada pelo Ministério da Educação e Cultura e disponibilizada no site da Universidade Federal de Santa Catarina [1].

Figura 1 - tela de programa educacional.

Quando começar?

Não existe um consenso sobre a idade ideal para que crianças tenham acesso à tecnologia. Contudo, o computador está cada dia mais presente no cotidiano dos jovens e da escola e por isso é preciso que haja um planejamento pedagógico a respeito do seu uso. A meta principal da educação é a aquisição de capacidades e a maturação gradual das emoções, do intelecto, das habilidades artísticas e artesanais de cada criança. Nada disso depende de acesso a enormes quantidades de informação [7]. O diretor do Instituto de Inovação do Conhecimento e Tecnologia de Toronto, Carl Bereiter, alerta que “...a maioria dos softwares educacionais oferece apenas treino. Isso é inútil e não é educativo de maneira séria”. Numa matéria para a revista Nova Escola on-line, Raquel Ribeiro [6] afirma também que o bom uso do computador não precisa contar obrigatoriamente com uma conexão com a Internet ou uma coleção de softwares educativos.

De acordo com Rudolf Steiner (filósofo austríaco), e conforme é aplicado com sucesso na Pedagogia Waldorf desenvolvida por ele, no primeiro setênio a criança é extremamente aberta ao ambiente e está individualizando seu querer; a educação deve basear-se exclusivamente no contato com a realidade, na imitação, na fantasia imaginada (por exemplo, por meio de contos) e no ritmo. A criança espera um mundo essencialmente bom. Qualquer ensino de abstrações, como o da leitura (as letras modernas e sua composição em sílabas constituem meras abstrações - ao contrário de hieróglifos egípcios e ideogramas orientais) contraria a natureza própria da criança, perturbando seu desenvolvimento e produzindo nela males que se manifestam posteriormente, sob forma psicológica ou mesmo fisiológica.

No sentido da escolaridade, deveria haver no máximo um jardim-de-infância (e não uma pré-escola), expressão que revela uma profunda intuição de nossos antepassados: a criança deve ser tratada como uma tenra plantinha; o local deve prestar-se ao “brincar” e ao “aprender fazendo”, envolvendo coordenação motora, socialização e observação do entorno sem conceituá-lo abstratamente, tudo isso num ambiente o mais natural possível. Deve-se ter aí uma “professora-mãe”.

Figura 2 - Crianças devem usar o computador?

De acordo com esta visão, é evidente a vantagem de programas “genéricos” que tenham uma vasta aplicabilidade em detrimento de programas restritivos. Como a experiência apresentada na revista Nova Escola pela professora Vanessa Calin Gonçalves, do Educandário São Domingos, em São Paulo demonstra: “Tive um aluno de 6 anos com dificuldade na escrita que se alfabetizou rapidamente com o uso do computador. Mas de nada adianta o micro sem um projeto pedagógico. Se deixar as crianças só brincando com o Paint, o programa de desenho de que tanto gostam, elas cansam logo”. Após explorar os recursos do micro por um tempo, a turma de Vanessa começou um projeto: um livro de haicai, poema de origem japonesa. “Eles amam os versos e conhecem diversos poetas.” Antes de reescrever no Word os poemas do escritor curitibano Paulo Leminski (1944-1989) e ilustrá-los no Paint, os estudantes tiveram diversas atividades de alfabetização. A professora também falou sobre a origem e estrutura do haicai e discutiu a função social do poema. Logo a turma se animou com a idéia de recitar para outras pessoas e, terminado o livro, todos vão participar de um recital.

É desta forma que o computador deve estar presente nas escolas. Mas além da discussão existente a respeito do valor intrínseco do computador, ainda existem algumas considerações a serem feitas sobre a postura de alunos e professores em relação a informática.

Enciclopédias soterradas por bits

O hábito de consultar livros e enciclopédias está sendo substituído pelas consultas na Internet. O aumento substancial da facilidade e da quantidade de informação disponível para os alunos constitui, ao mesmo tempo, as vantagens e desvantagens desta mudança.

Figura 3 - Site brasileiro com milhares de trabalhos escolares disponíveis para download.

O perigo do ctrl-c, ctrl-v

Por um lado é possível a criação de trabalhos mais complexos num espaço de tempo reduzido. Por outro lado, a quantidade de informações pode ser tão grande que o trabalho concentra-se apenas na busca e não na feitura do trabalho, ocorrendo em muitos casos a simples transposição do texto encontrado na Internet. Existem, inclusive, sites que são repositórios de trabalhos escolares prontos para serem copiados. A parcela de produção do aluno pode cair para zero. Mais uma vez é necessário a supervisão do educador para direcionar como as pesquisas devem ser feitas e referenciadas.

Aqui vão mais alguns exemplos extremamente simples do uso da informática na educação.

1. Editor de imagens

Desenhos geométricos

Nas aulas de matemática é possível apresentar as formas geométricas através de desenho, além das operações elementares, frações e demais conceitos.

Figura 4 - O que um editor de imagens oferece além de figuras geométricas?

Criação coletiva de desenhos

Esta atividade serve para estimular o respeito mútuo através de situações de colaboração onde um grupo de crianças deve produzir desenhos utilizando o editor gráfico. O trabalho pode ser feito simultaneamente sob a supervisão constante de um professor ou de forma alternada onde cada criança contribui com uma parte do cenário.

Elaboração de mapas

Guias simples com o intuito de situar a criança na sua comunidade. Mapas das ruas do bairro, do caminho feito para chegar à escola ou ao trabalho dos pais. Identificando pontos importantes como sinais de trânsito, pontos turísticos, paradas de ônibus e outros.

2. Editor de textos

Jornalzinho escolar

Além de divulgar as atividades realizadas na escola aos alunos e à comunidade, podem ser feitos trabalhos temáticos integrando diversas disciplinas, tornando o aluno sujeito ativo do processo de ensino/aprendizado. Além de impresso, este jornal pode ser publicado na Internet. “O estudante aprende e gera um retorno para a sociedade. Essa é uma ação transformadora, e não simplesmente uma transposição de conteúdo”, explica Sérgio Ferreira do Amaral, professor da Unicamp e membro de grupo de pesquisas na área de tecnologia aplicada à educação.

Redação, história e poemas

A criação pode ser feita individual ou coletivamente entre alunos de classes ou até escolas diferentes. A verificação ortográfica deve ser usada com parcimônia. Se o aluno permite desde o início que seu texto seja corrigido automaticamente ele não terá a chance de aprender ou, pior, permitirá correções errôneas.

3. Planilha eletrônica

Coleta de dados

Campanhas ou debates podem ser feitos baseados em pesquisas realizadas, pelos próprios alunos, com todas as turmas da escola. Alguns exemplos são: classe social, faixa etária dos estudantes, atividades, passeios, matérias ou esportes preferidos, tempo dedicado ao estudo e vários outros.

Pesquisa de preços

Através do levantamento em pontos de vendas ou por meio de revistas e jornais, os alunos podem compreender melhor a importância da matemática e começar a desenvolver sua consciência sobre a economia familiar.

É importante notar que nenhuma das atividades propostas é monopolizada pelo computador, tampouco ele é indispensável para a realização das tarefas. Nestas atividades, o computador é utilizado como um facilitador para criar gráficos, exibir figuras, diagramar textos e outras tantas funções, mas é apenas um elemento que em conjunto com: a coleta de dados, o debate em classe, a descoberta do espaço pelo aluno e todas as demais atividades concretas, constituem os processos de ensino/aprendizagem que não podem prescindir da coordenação do professor e da sua implicação no cotidiano do aluno.

De acordo com a professora e pedagoga Tisuko Morashida [4], da Faculdade de Educação da USP, isso nem sempre é levado em consideração:

“... Uma sala onde o ensino é realizado de cima para baixo, fragmentado e metódico, causando o embrutecimento da criança e do gasto desnecessário de dinheiro por parte dos pais... é importante não colocá-la sob a condição de usuária passiva...”.

Como a professora doutora Sônia Maria de Macedo Allegretti [1] da PUC-SP disse certa vez: ”Existe uma forte tendência a mitificar os computadores, como se a modernização fosse uma simples decorrência da introdução dessa tecnologia, garantindo assim a transformação necessária no ensino e na Educação. A modernização não é algo que se pode comprar pronto, mas é fruto de um processo e, portanto, deve ser construída... O desenvolvimento é produzido na medida em que o homem está no comando do processo, do qual a máquina é apenas um elemento.”

O advento do computador na sociedade contemporânea representa um avanço tecnológico considerável, fazendo com que seus aspectos negativos fossem olvidados e contribuindo para o seu uso indiscriminado. É preciso repensar constantemente o que estamos fazendo e quais são os motivos para fazê-lo. As críticas presentes neste artigo estão longe de serem verdades absolutas, mas, sendo referentes ao uso da informática no ensino fundamental e com crianças, a modalidade mais importante da educação, são questões que devem ser ponderadas com bastante cautela.

É claro que, em se tratando de informática na educação, existem muitas outras coisas entre o céu e a terra, como por exemplo, os sistemas tutores inteligentes, o ambiente cooperativo apoiado por computador(CSCW), as web-aulas, os cursos à distância e uma miríade de aplicações que também possuem seus méritos, mas essa é uma outra história bem diferente.

Referências

1. ALLEGRETTI, S. M. M. Mudança educacional: um desafio. In: _____. A informática se transformando com os professores. [Brasília]: MEC. Secretaria de Educação a Distância, [20 - -], p.19-20. Disponível em <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo>. Acesso em: 20 out. 2004.

2. BEREITER, C. Institute for Knowledge Innovation & Technology. Disponível em: <http://www.ikit.org/people/bereiter.html>. Acesso em: 28 out. 2004.

3. JESDANUN, A. Iniciação na informática gera indecisão. Folha de São Paulo. São Paulo, 6 out. 2004. Caderno Informática, p. 20-21.

4. MAIA, K. A rede a favor da escola. Folha de São Paulo. São Paulo, 26 out. 2004. Caderno Sinapse, p. 20-21.

5. PATRICIO, L. C. B. Um olhar sobre a informática na educação. BateByte, Curitiba, n.144, p. 4-5, out.-nov. 2004.

6. RIBEIRO, R. Com o computador, a garotada se alfabetiza mais depressa. Nova Escola. São Paulo, n.177. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0177/aberto/tecnologia.shtml>. Acesso em: 1 nov. 2004.

7. SETZER, V. W. Computadores na educação: por quê, quando e como. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 5, set. 1994 [S.l]. Anais eletrônicos... [S.l]: [sn], 1994. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/PqQdCo.html>. Acesso em: 29 out. 2004.

8. SETZER, V. W. Uma revisão de argumentos a favor do uso de computadores na educação elementar. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 8, nov. 1997. [S.l]. Anais eletrônicos... [S.l]: [s.n], 1997. Minicurso de 6 horas. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/argsport.html>. Acesso em: 2 nov. 2004.