Uma História de Pescador

Mulheres amansadas, hotel reservado, ônibus — daqueles bem bodosos — pronto, centenas (ou seriam milhares ?) de latas de cerveja devidamente embaladas, anzóis, linhas, caniço e samburás no ponto e lá se foi um grupo de 18 celeparianos passar uma semana pescando. O destino: pantanal mato-grossense, paraíso de pescadores e contadores de causos. O objetivo declarado era pescar, pescar e pescar (correu uma história de que alguns foram só pra beber, mas não foi possível confirmar).

Saindo na maior animação, pareciam um bando de crianças a caminho da pré-escola. A viagem seguiu sem incidentes até Presidente Epitácio em SP, quando... o ônibus (aquele com todo o conforto, quase 3 andares de altura, salão de jogos de salão, WC com banheira etc. e tal) pifou. O eixo da turbina do motor tinha quebrado. Que fazer ? Volta 50 km, pára no mecânico e a solução foi isolar a turbina e seguir viagem. Logo depois o ônibus arria de vez: motor fundido. Adeus conforto, luxo, banheira e sala de jogos. Volta o motorista em busca de socorro e os celeparianos já dando mostras de algum cansaço, em vez de se haver com pintados, piranhas e dourados tem-se que ver com muriçocas, mutucas e butucas. Finalmente, o silêncio cai sobre o grupo à margem de uma estrada deserta, e ouve-se uma voz cavernosa lá do fundo:

— Alguém tem aí uma lanterna ?

— Eu tenho. — Eu também. zz — Pera aí que já pego, entra em ação a cumplicidade e a gentileza que caracterizam um grupo como esse. Após um certo rebuliço, pronto: lá se foi a lanterna para o fim do ônibus. Mais 3 ou 4 minutos de expectativa (o que será que o infeliz ia fazer com uma lanterna ?), quando ouve-se a mesma voz, ainda mais cavernosa:

— Alguém tem aí 8 pilhas grandes ?

A tanto o ônibus não resistiu, quase lincharam o infeliz.

5 horas depois, chega o ônibus reserva. (realmente, adeus conforto: faltavam duas janelas nesse aí). Chega também o guincho para levar o reserva, aquele bodoso, com as bagagens e (importante) as cervejas. Dá-se a troca de ônibus e segue a viagem. Chegando perto do hotel, vem a notícia: caiu a ponte rodoviária e a última etapa terá que ser feita em barco. Perfeito, nenhum problema, aliás só um: cadê um barco? Pensando bem mais um problema: cadê grana para pagar o barco? Toca a fazer uma vaquinha para alugar uma lindíssima chalana. Gasta-se mais tempo para achar e negociar pela navegação. Transfere todas as bagagens (e as cervejas) e a viagem segue. Mais algumas horas de rio e ... a chalana pifou. Bom, resumindo a história a viagem que devia demorar 20 horas durou 44. Mas, enfim, acabou.

Note a cara de felicidade do Pedro. E dizem que ele nem
gosta de comer peixe. Atentem para o boné.

Todos instalados chega o grande dia: formar duplas e cada uma acompanhada de um piloteiro (é como o "motorista" de barco se chama no pantanal) no seu barco, largam-se ao desconhecido e à aventura.

No primeiro dia, a simples visão de um jacaré, era suficiente para enc... digo, apavorar alguns. Mais para o fim da viagem, já íntimos, os jacarés eram tratados à base de pontapé, se bem que tem aqui uma história interessante. Durante uma pescaria, uma dupla achou um jacaré simpático e amistoso e começou a dar restos de peixe como petisco para o bicho. Que nunca tendo sido tão bem tratado, retribuiu seguindo seus novos amigos. Comidinha daqui, gracinhas de lá, cresceu a amizade quase em ritmo de lua de mel. Que só acabou quando o bichão aproveitando um descuido do piloteiro, pulou embarcação adentro.

Imagine, prezado leitor, o pega-pra-capar que se deu no barco. Pra encurtar, tiveram que resgatar um valoroso celepariano encarrapichado no alto de uma árvore que estava a mais de 10 metros do barco.

Noutro dia, no retorno das duplas, um pescador (dizem que o Domingos) vendo um tuiuiú, promoveu o maior escândalo: que ninguém se mexesse ou dissesse algo. Silêncio, ele queria porque queria fotografar o passarão. Arma a máquina, regula o diafragma, torce pro bicho não fugir, quietos todos, até que enfim... CLIC. Registrou-se o fato. Nisso vem um empregado do hotel e chama o pássaro pelo nome. Este atende e vem todo contente fazer festa no meio do grupo. Era amestrado, propriedade do hotel. Não preciso dizer que o Domingos tomou uma vaia.

Tinha um cachorro, meio manco, todo estropiado, cujo nome era "restos de surucucu". A explicação do nome esdrúxulo é simples: certa vez houve um arranca-rabo entre ele e a dita cobra. O cachorro conseguiu se salvar, ainda que tenha ficado meio avariado. Dizem que agora ele tem medo até de minhoca.

Teve também o pescador (não se pode revelar o nome, seria anti-ético) que conseguiu enterrar o anzol, aquele todo infernal, de 3 pontas

Não disseram que o Pantanal era terra de Jacaré?

afiadíssimas, importado, coisa fina, no... alto do cocuruto. Isso mesmo, ele conseguiu se auto-fisgar. Corre-corre, confusão, afinal o médico da excursão fez uma microcirurgia e resgatou o anzol. Só ficou um humilhante band-aid.

Na volta, os 18 chegaram cansados, felizes, cheios de peixe e certamente de histórias (todas verídicas) para contar.