Vamos Usar Metodologia?

Autor: Fernando José Fendrich

Desde crianças, aprendemos que para atingir um determinado objetivo, precisamos montar uma estratégia para alcançá-lo. Tomemos como exemplo aquela criança que quer alcançar a caixa de chocolates colocada sobre o armário. Ela sabe o que quer, mas o objetivo está fora do seu alcance. Será necessário buscar uma cadeira, subir no balcão ou realizar aquelas acrobacias domésticas que só as crianças são capazes de imaginar. Na primeira vez em que ela tenta é mais difícil, porque a situação é nova e ela descobre obstáculos inesperados no meio do caminho. À medida que a experiência se repete, porém, ela vai mais facilmente alcançando o objetivo, com base nos conhecimentos já adquiridos, nos erros cometidos das vezes anteriores ou nos conselhos dos mais experientes, no caso, os pais.

Nós nos admiramos das peripécias dos pequenos porque sabemos que existem maneiras muito mais fáceis de alcançar os objetivos, que dispendem menos energia e são mais rápidas e eficientes que o jeito deles. Além disso, somos capazes de prever as dificuldades que eles encontrarão entre o chão e o armário e eles não: muitas vezes a criança está próxima de cair e nem identifica o perigo, enquanto nós nos apressamos a tirá-los da situação perigosa.

Os profissionais de informática são muito semelhantes às crianças e infelizmente, não só por fazerem acrobacias por chocolate. Há muitos projetos em realização ainda hoje por estes profissionais que se aproximam das aventuras relatadas acima.

É comum nos depararmos com projetos que estão cada vez mais longe do objetivo e dentro de crises aparentemente insolúveis porque seus líderes agem como as crianças: imaginam que estão diante de uma situação nova e começam o projeto sem planejamento, achando que aquele projeto é único e que nada do que já foi feito é aplicável. Os problemas vão sendo tratados à medida que surgem, o que leva a muita perda de tempo e esforço. Muitas vezes quando está no meio do caminho entre o chão e a caixa de chocolates, este profissional descobre que falta algo para alcançar o objetivo, o que o leva a desfazer o caminho já percorrido, descendo para buscar o que falta para depois subir novamente. Isto sem falar das vezes em que o objetivo não é atingido porque algum dos obstáculos é considerado intransponível, ou das vezes em que aparentemente se atinge o objetivo, mas na verdade ele não é alcançado (algo como chegar até a caixa de chocolates e descobrir que na verdade a mamãe resolveu guardar lá os seus apetrechos de costura).

Precisamos mudar: as organizações de hoje não podem esperar pelo nosso aprendizado no meio dos projetos. É preciso organizar a forma de trabalhar de algum jeito que possibilite:

  • levantamento dos requisitos e dos objetivos do projeto de maneira bem definida;
  • identificação antecipada de problemas antes que se tornem críticos;
  • identificação dos riscos que afetam os projetos, para os mantermos sob controle;
  • registro do aprendizado para dele fazermos uso no futuro;
  • fazer o nosso trabalho com muito mais eficiência e segurança;
  • trabalhar de uma forma organizada e documentada;
  • gerar produtos com qualidade e adequados à necessidade do usuário;
  • entregar produtos com menos erros e problemas, dispendendo menos recursos e tempo.

Estaremos atingindo objetivos muito mais facilmente e, com o tempo e recursos economizados, poderemos partir para a realização de novas tarefas, aumentando a nossa capacidade de trabalho e nossa produtividade.

Isto é ter uma Metodologia. E não funciona só em teoria, mas alcança resultados na prática. Relataremos aqui algumas experiências obtidas em nossa equipe de desenvolvimento (a DITEC-E), utilizando a MDS - Metodologia de Desenvolvimento de Serviços, da Celepar.

Se você não conhece ou não está familiarizado com a estrutura e os termos da MDS, indico a leitura do tópico Rápida Visão da MDS, a seguir. Se a MDS não é nenhuma novidade para você, então pule o próximo tópico e comece a ler o tópico A MDS na Prática - Experiências da Divisão Técnica - E (DITEC-E)


Rápida Visão da MDS

A MDS compõe-se de uma série de roteiros, padrões e ferramentas que objetivam elevar a qualidade dos serviços prestados. Os principais roteiros que utilizamos são:

  • RPRE - Roteiro de Projeto Preliminar;
  • RAES - Roteiro de Análise Estruturada de Sistemas;
  • RCON - Roteiro de Atividades Contínuas;
  • RREV - Roteiro de Revisão;
  • RDOC - Roteiro de Documentação;
  • RPAC - Roteiro para Acompanhamento.

O RPRE tem por objetivo verificar qual é o real problema do cliente, propor soluções e as ações que deverão ser executadas para se alcançar a solução proposta (definição da forma de execução). É o primeiro produto que geramos quando o cliente solicita algum serviço e deve ser posteriormente atualizado, caso o andamento do projeto modifique algo do que foi descrito no RPRE.

O RCON é utilizado para orientar a execução de atividades contínuas, no nosso caso, manutenção de sistemas, e em pequenas solicitações (até 30 horas). Caso o total previsto supere 30 horas, a atividade é tratada como projeto e o RPRE é aplicado no lugar do RCON.

O RAES é utilizado no desenvolvimento de sistemas e é composto das seguintes fases: Levantamento de Dados, Projeto Lógico, Projeto Físico, Construção, Teste do Sistema e Implantação. Cada uma destas fases gera produtos específicos, como modelos, diagramas e outros documentos. Ao final de cada fase e também no final do Projeto Preliminar é aplicado o RREV, para revisão técnica dos produtos gerados e do andamento do projeto como um todo. A revisão é feita entre a Equipe do Projeto e a Equipe de Qualidade, definida quando da confecção do RPRE e que acompanha todo o desenvolvimento do projeto. O que se busca é o comprometimento da Equipe de Qualidade com os resultados do projeto, propondo ativamente soluções de melhoria.

O uso destes roteiros não serve como uma camisa-de-força para o técnico. Na verdade eles são apenas o que o nome indica, roteiros, e devem ser adaptados e customizados à realidade de cada projeto. Há também outros roteiros em desenvolvimento para contemplar novas necessidades, como o RCLI - Roteiro para Desenvolvimento de Aplicações Cliente-Servidor.

O RDOC e o RPAC permeiam todas as fases de desenvolvimento dos projetos, sendo continuamente aplicados. O RDOC mostra de que forma a documentação, gerada nas fases de desenvolvimento de serviços, deve ser armazenada, enquanto o RPAC tem por finalidade fornecer instrumentos para o acompanhamento do processo de desenvolvimento e de gestão de equipes e serviços, através do estabelecimento de indicadores de qualidade.

O RPAC é o fecho de todo o processo, que consiste em avaliar todos os projetos em andamento na equipe e atribuir indicadores de qualidade a cada um (notas de 0 a 1 com valor mínimo desejável de 0,7). Pelo indicador de qualidade temos condições de saber o nível de utilização da metodologia naquele projeto e se é construído com a preocupação contínua de melhora da qualidade dos serviços e de atendimento às necessidades dos usuários. Os indicadores de qualidade são, portanto, instrumentos para auxílio na gestão das equipes e tem por objetivo "medir" os níveis de qualidade do processo, abrangendo aspectos como o planejamento, atuação da equipe, geração de produtos, acompanhamento e participação do Cliente. Esta "medição" pode evidenciar situações onde a qualidade desejada não está assegurada, e, por conseqüência, permite a tomada de ações para obter esta qualidade, em cada um dos aspectos considerados. Permitem também quantificar a qualidade, possibilitando comparações do nível dos serviços prestados ao longo do tempo.

A MDS foi elaborada não só para o uso no desenvolvimento de sistemas. À exceção do RAES, todos os demais roteiros podem e devem ser utilizados pelas equipes de Atendimento, Serviços Operacionais, Suporte Técnico, Prospecção Tecnológica e todas as demais que desenvolvem projetos, como forma de elevar a qualidade de todos os produtos gerados pela empresa, que hoje vão muito além do desenvolvimento de sistemas.


A MDS na Prática - Experiências da DITEC-E

O problema da aplicação da MDS em nosso dia-a-dia é fazer com que se torne um hábito, que incorporemos seu uso automaticamente como mais uma das nossas responsabilidades. Para dar uma idéia do estágio em que nos encontramos na internalização dos conceitos da MDS, descrevemos a seguir os procedimentos que um técnico desta equipe adota comumente no seu trabalho.

Planejamento

Todos os projetos sob responsabilidade do técnico devem possuir cronogramas elaborados no Microsoft Project. Atualização semanal, ou em menos tempo caso ocorram alterações de vulto.

Acompanhamento

A equipe mantém um Quadro no Lotus Notes (Informações GPS - DITEC-E). Neste quadro estão descritos todos os projetos em andamento na equipe, com sua situação semana a semana, em ordem cronológica, até a semana atual. Tem o objetivo de fornecer uma visão geral da equipe e serve de base para as avaliações da Chefia, Gerências e Diretoria. Semanalmente, cada técnico envia a avaliação dos projetos sob sua responsabilidade para o coordenador, que elabora o Quadro.

Faturamento

Lançamento semanal das informações para faturamento no sistema mantido pela empresa para este fim, o APC. As informações devem ser lançadas com a preocupação de serem entendíveis pelos usuários.

Projetos

Novos projetos que surgem devem ter Projeto Preliminar (RPRE). Atividades contínuas não devem ultrapassar 30 horas e devem ser formalizadas no APC. Para o desenvolvimento do Projeto, aplicar o RAES e gerar os produtos lá especificados. Cada projeto deve ter uma Equipe de Qualidade para efetuar revisões técnicas (RREV) ao fim do Projeto Preliminar (RPRE) e nas fases intermediárias do desenvolvimento do sistema (RAES). Os produtos gerados e os documentos coletados devem ser arquivados nas pastas preconizadas pelo RDOC.

Qualidade

Reunião mensal para avaliação de 26 pontos que englobam a aplicação da MDS e dos tópicos referidos acima (RPAC). É avaliado cada um dos projetos que cada um dos técnicos tem sob sua responsabilidade. São gerados os indicadores de qualidade de cada projeto, baseados nestes 26 pontos do RPAC e os indicadores de todos os projetos geram o indicador geral da Equipe.

Ações de Qualidade

A reunião mensal referida no tópico acima gera um documento contendo ações para melhoria da qualidade e elevação dos indicadores de cada projeto. Semanalmente, cada técnico gera um documento para o coordenador contendo o andamento das ações para melhoria da qualidade dos seus projetos.

Avaliação de Desempenho dos Técnicos

A aplicação da MDS nas atividades desenvolvidas na equipe é formalmente contratada entre o coordenador e os técnicos através do Plano Individual (elaborado junto com a Avaliação de Desempenho), sendo requisito para a evolução profissional e promoção funcional. Esta avaliação tem sido bastante facilitada, pois o acompanhamento periódico dos projetos pelo RPAC gera informações detalhadas sobre o desempenho dos técnicos. Sem a MDS, somente na Avaliação de Desempenho, discutem-se os serviços realizados por cada técnico, mas com a MDS esta discussão se dá constantemente.

 

Mês/Ano Horas em Projetos Indicador de Qualidade em Projetos
Set/1995 991:30 0,52
Out/1995 1271:25 0,69
Nov/1995 1413:20 0,81
Dez/1995 1752:30 0,84
Jan/1996 977:50 0,81
Fev/1996 810:12 0,71
Mar/1996 1328:35 0,71
Abr/1996 1287:50 0,72
Mai/1996 1259:15 0,74
Indicadores de Qualidade(MDS/RPAC) apurados na DITEC-F

 

Nossa equipe de desenvolvimento é composta de 12 técnicos e 1 coordenador técnico. No Quadro acima estão descritos os indicadores apurados na equipe nos nove meses de aplicação da MDS e do RPAC.

Independentemente dos indicadores alcançados, temos observado que a aplicação da metodologia resultou em:

 

  • uniformização da linguagem utilizada;
  • melhoria do processo de acompanhamento de projetos;
  • maior organização da equipe e da distribuição de recursos entre diferentes projetos;
  • maior responsabilidade dos técnicos da equipe pelo processo;
  • maior segurança no método de trabalho;
  • produtividade superior, pela diminuição de erros e retrabalho;
  • melhor entendimento pelos usuários dos processos de trabalho da equipe;
  • identificação de problemas gerais da equipe e da empresa;
  • melhoria na qualidade dos produtos e serviços prestados.

Para quem não está habituado ao uso da MDS, pode parecer que os 7 tópicos descritos no Quadro 1 tomam tempo demais da equipe e que este tempo seria melhor aplicado se gasto diretamente no trabalho. Quem, entretanto, não conhece casos de projetos que se tornaram críticos por falta de uma análise inicial mais apurada ? Quantas horas são gastas para contornar problemas que poderiam ser evitados com um acompanhamento mais criterioso? Quem realmente gasta mais horas: quem usa metodologia ou quem não usa ?

Podemos responder com a experiência adquirida na equipe. Cada técnico dispende de 6 a 8 horas por semana nos processos da MDS (15 % a 20 % do seu tempo), com uma tendência de queda devido à internalização dos procedimentos da Metodologia. Nossa equipe, entretanto, não possui nenhum processo em crise e administra simultaneamente 32 processos, entre projetos e atividades contínuas, distribuídas pelos seguintes usuários:

  • Governadoria;
  • Secretaria do Planejamento e Coordenação Geral (SEPL);
  • Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES);
  • Casa Civil;
  • Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (SEAB);
  • Empresa Paranaense de Classificação de Produtos(CLASPAR);
  • Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (CODAPAR);
  • Conselho Estadual de Informática (CEI);
  • Ouvidoria;
  • Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI)

Observemos ainda o Quadro na página anterior, e perceberemos que o mês em que se obteve os indicadores mais elevados foi também o mês de maior volume de horas dedicadas aos projetos. Somente um processo de trabalho organizado pode permitir que isto aconteça, pois, normalmente, se estamos atolados com muitas atividades a qualidade do que fazemos tende a cair. Em nosso caso aconteceu o contrário, os números e a experiência comprovam.

Uma equipe somente pode ser mais organizada se cada técnico o for. Quando isso ocorre com todos, aumenta a segurança e a confiança no que se faz e o resultado é a qualidade superior. Quando fazemos melhor e bem feito, o trabalho nos realiza, gerando a motivação que realimenta o processo e impulsiona todos a um novo patamar. Se, ao contrário, usarmos a metodologia à força ou por imposição, não estaremos colhendo a satisfação de fazer melhor o nosso trabalho, nem encontraremos motivação para superar as resistências naturais que todos temos às mudanças.

O principal obstáculo à adoção da Metodologia somos nós mesmos. Insistimos em alcançar a caixa de chocolates do nosso jeito, sem entender como alguém pode querer entender mais do nosso trabalho que nós mesmos e venha trazer métodos diferentes daqueles a que estamos habituados. Na realidade, a Metodologia é resultado do conjunto de experiências de muitos profissionais, da Celepar e de outras organizações, que vêm dividir conosco uma maneira mais fácil e segura de fazer nosso trabalho e que proporciona maior qualidade ao serviço que realizamos.

A Metodologia dá medo nas pessoas porque muda o ambiente que as cerca e elas têm medo de perder o controle de uma situação já conhecida, trocando-a por outra desconhecida. Deveríamos, entretanto, ter medo é de ficarmos obsoletos, trabalhando de um jeito antiquado e pouco produtivo enquanto o mundo à nossa volta se torna dinâmico e eficiente. Pela experiência que já vivemos na equipe, sabemos que não há motivos para receios.

Há tempos não sentíamos tanta evolução como a ocorrida nos últimos 12 meses, não só individualmente como dos colegas da equipe. A forma de trabalho mais organizada e documentada aliada à aplicação da MDS e do RPAC tem nos dado um feedback muito importante, pois permite saber o que não está indo bem e modificar o rumo durante o processo, gerando produtos de qualidade muito superior.

Nossos usuários sentem-se mais satisfeitos e nós mesmos nos sentimos, pois temos uma segurança muito maior ao trabalhar praticamente sem supervisão, porém com uma estrutura metodológica a nos apoiar. Esta segurança e confiança no trabalho tem auxiliado a equipe a apresentar bons resultados e os clientes a resolver seus problemas.

Sentimos que estamos entrando numa nova fase, onde um novo perfil profissional será exigido de todos nós e para o qual será necessário que nos adaptemos. E os acontecimentos dos últimos tempos nos animam a prosseguir, pois sentimos que temos condições para trabalhar neste novo perfil. O mercado exige hoje das organizações o aumento da qualidade e da produtividade e a Metodologia é uma das respostas que podemos dar a estas exigências. Além de termos uma empresa adequada à nova realidade competitiva, cada um dos seus técnicos também estará bem posicionado no mercado de trabalho. A qualidade e o profissionalismo estarão presentes nos projetos desenvolvidos e nos produtos entregues: não terão aquela improvisação tão comum das acrobacias por chocolates.

Nota: Na elaboração do tópico Rápida Visão da MDS foram utilizados conceitos e trechos extraídos dos roteiros da empresa sobre a MDS.