A experiência da Flórida Power & Ligth e do seu programa de qualidade

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro


Resumo do livro "Vencer com qualidade, a história da FP&L", de John Hudiburg.

A FP&L é uma empresa particular que vende energia elétrica na Flórida. É uma das principais concessionárias de eletricidade dos Estados Unidos (é a quarta maior empresa do setor. Tem 3.000.000 de clientes, opera 13 centrais elétricas, 2 nucleares, com orçamento operacional de 4,7 bilhões de dólares). Em 1984, ela resolveu concorrer ao prêmio Deming. Quatro anos depois, ela foi a primeira empresa ocidental a ganhar o cobiçado prêmio.

A história destes 4 anos é arrepiante. No mínimo, ver uma empresa de 15.000 empregados, atirando-se de cabeça em um projeto quase impossível, fazendo com que cada um desses quinze mil seres humanos se sentisse pessoalmente responsável pela empreitada, é emocionante. A lição que fica é que o ser humano, quando resolve trabalhar em conjunto, com uma boa motivação, e desafiado, se torna uma máquina irrefreável.

Tudo começa com uma observação de um dos consultores japoneses: "Não se chega a jogar de center field no time do New York Yankees apenas lendo um livro de basebol. Nem se chega lá vendo-os jogar". Portanto, uma iniciativa destas começa por trabalho duro e pesado.

Depois, foi a aplicação dos 4 princípios básicos: satisfação do cliente, utilização de dados e análise, ciclo PDCA e respeito pelas pessoas.

Os cinco componentes do programa de gerência para a qualidade da FP&L são: política de gerência, equipes de melhoria da qualidade, qualidade no trabalho diário, qualidade do fornecedor e idéias brilhantes, devidamente acompanhadas pelas atividades de apoio: educação, treinamento e reconhecimento.

Com a palavra o presidente "...sob certos aspectos, a gerência em si é um grande problema. Eles precisam aprender duas coisas: uma, se são tão bons na gerência e na eliminação de problemas, porque todos esses problemas ainda existem? Segundo, todos precisam se envolver no processo de solução de problemas, e não apenas os gerentes".

A vontade de candidatar-se ao Prêmio Deming surgiu em 84 quando, em visita ao JUSE (órgão que distribui o prêmio), este informou haver uma categoria de concorrente estrangeiro, que nunca tinha tido um candidato sequer.

A FP&L resolveu entrar e em primeiro lugar. De novo, o presidente: "Pedimos que mencionassem o primeiro homem a correr a milha em menos de 4 minutos. Roger Bannister, disseram. E quem foi o segundo? Ninguém sabia. Moral da história. Não somente queríamos disputar o prêmio, mas queríamos ser os primeiros americanos a fazê-lo".

Contratados 4 conselheiros japoneses, estes formaram junto com os 6 diretores da empresa, o Comitê de direção para o PMQ, que se reunia 2 vezes por ano em Tóquio.

Em 86, foi tomada a decisão formal: no concurso de 89, a FP&L entraria. Em 86, a ênfase foi Gerência de Política. Em 87, qualidade de trabalho diário, e em 88 fomentou-se a totalidade do trabalho para a qualidade.

Um requerimento de 6 páginas foi enviado ao JUSE em nov/88, pedindo para a FP&L ser inscrita no prêmio. Em dezembro, veio a resposta: OK. Daí precisou-se construir uma DPMQ (descrição do programa de melhoria de qualidade) com um limite: 1000 páginas - em japonês. Em janeiro de 89, mandou-se a DPMQ.

Aguardou-se 2 meses, para saber se a candidatura seria aceita, preparando-se já para a fase A (apresentações de 8 partes da FP&L para auditores vindo do Japão) e a fase B (os auditores podem questionar qualquer ponto que desejem, tendo o apresentador 3 minutos para apresentar os dados solicitados).

Em março, veio a confirmação: inscrição aceita. Em maio, houve uma reunião com os examinadores em Tóquio.

Em julho, começou a auditoria do prêmio, que se estendeu por 5 semanas. A descrição dos procedimentos de teste é extensa e detalhada. Certamente é uma trabalheira imensa. Ao final do período, os auditores voltam ao Japão e a resposta sai em outubro.

Para engajar todo mundo, o presidente da FP&L disse claramente que se a FP&L ganhasse o Deming, trabalhar lá seria divertido. Teve que conviver durante os 4 anos com charges que o apresentavam junto com a pergunta: "Esta é a diversão?". De fato, qualidade pode ser feita com humor. A resposta que ele deu ao final, foi "bem, ... pelo menos a festa de premiação foi divertida".

A cada ano, mesmo depois de ter ganho o prêmio Deming, a FP&L seleciona o melhor dos seus 1.600 times de qualidade e o manda ao seminário Foreman's Conference, que ocorre simultaneamente à premiação no Japão. Ser escolhido é uma honraria, já que é um dos poucos grupos que precisa de tradução simultânea.

A FP&L defende a linguagem da qualidade como unificadora de iniciativas e como linguajar comum. "... talvez, como as linguagens comuns da matemática e da música, a da qualidade ajude a tornar o mundo um lugar melhor".

A diferença entre o antes e o depois (do programa de qualidade) pode ser vista na seguinte descrição:

"Antes tínhamos um programa de sugestões. Achávamos que ele era bom, e os nossos consultores nos mandaram reformulá-lo completamente. O programa antigo começava por dizer aos funcionários como a empresa desejava e valorizava suas idéias. A seguir seguia-se uma lista das áreas tabus, nas quais não se aceitaria nenhuma sugestão: assuntos legais, conserto de equipamentos, propaganda, venda,... na verdade, nada que aumentasse despesas. Com o passar do tempo, diversos departamentos optaram por não se envolver com o programa de sugestões. Quando um espírito corajoso fazia alguma sugestão, ela parecia sumir num buraco negro. Em média, 5 meses depois, 80% das sugestões tinham a seguinte resposta: Sinto muito, não serve, mas continue tentando. Em 87, com estas regras 600 sugestões foram submetidas.

Em 89, tivemos 25.000 sugestões. Quase 2 por funcionário em média. Cerca de 50% das sugestões foram implementadas de imediato. Parece muito, mas na Milliken Company (ganhadora do prêmio Baldridge em 89), têm-se 18 sugestões por ano por funcionário".

No programa antigo, o funcionário ficava anônimo. No atual, seu nome é exposto com muito destaque.

Além disso, cada departamento tem sua própria política de reconhecimento. Em um deles, os funcionários com mais de 10 sugestões/ano são convidados para um almoço. Um dos gerentes de usina teve a idéia de anexar o formulário de sugestões no verso das ordens de serviço. Assim, os problemas estão frescos, e podem ter sua correção sugerida por quem acaba de passá-los.

Para a FP&L, é muito importante o placar. Pensemos num jogo de basquete de final de olimpíada. A liderança se alterna cesta a cesta. No decorrer do jogo, quando o relógio passa a ser um fator, são feitas interrupções para que as equipes e os treinadores planejem estratégias. Finalmente quando o jogo se aproxima do final, há um clímax entre torcida e jogadores. Agora, imagine o mesmo jogo sem o placar. A excitação não progrediria, não se saberia quem estava vencendo, quanto tempo ainda restava, e por aí. É a diferença entre a final de um campeonato e um treino coletivo.

A leitura do livro é saborosa, vejamos um trecho:

"Quando os examinadores japoneses descobriram que tínhamos recebido reclamações de clientes que tinham sido flagrados roubando eletricidade, eles balançaram a cabeça e perguntaram "Vocês querem dizer que eles estão com raiva por que foram obrigados a parar de roubar?" Quando respondemos "sim", eles se entreolharam. Às vezes a América deve parecer muito estranha para os japoneses".

Para terminar, uma piada sobre qualidade: Três condenados à morte tiveram autorização para realizar o último desejo. O francês disse "como bom gourmet, quero comer um delicioso jantar". O japonês disse "como consultor de qualidade, quero dar minha última palestra". O americano disse "como simples mortal, quero morrer antes de ouvir a palestra do japonês". É isso aí. Menos papo e mais ação!