A lição de um sábio indiano

Autor: Fernando José Fendrich

A nossa história começa no Oriente, o berço da Civilização, mais exatamente nas montanhas do Himalaia, norte da Índia, região coberta de branco pelas neves eternas e conhecida como "o Teto do Mundo".

Há muitos anos estabeleceu-se nessa região um velho sábio, após dar a sua contribuição ao mundo, para contemplar as belíssimas paisagens que a natureza construiu, praticar a meditação, realizar as suas disciplinas espirituais e manter-se liberto do apego às coisas materiais. Era uma região isolada, mas dentro em pouco sua fama espalhou-se, recebendo visitas de pessoas de várias partes que vinham aprender com a sua sabedoria.

O tempo passou e vamos encontrar o sábio na mesma região, porém tão famoso que vive agora cercado de discípulos do mundo todo, que construíram instalações e acomodações para receber a todos que vinham. A esse tempo, viajou para a Índia um brasileiro, atraído pela fama do sábio indiano e, lá chegando, dirigiu-se à remota região em que se localizava o "ashram" (comunidade espiritual) onde ele se instalaria e conheceria o sábio.

Foi conhecer as instalações, admirando-se da simplicidade dos ambientes e do fato de não haver serviçais: todos os trabalhos, desde a limpeza até a preparação dos alimentos, eram feitos pelos próprios hóspedes do "ashram". Apressado, procurou avistar-se logo com o sábio para apresentar-se a ele e perguntar o que deveria fazer para aproveitar a sua estada naquele local.

Quando conseguiu, o sábio, notando-lhe a afoiteza, respondeu: "Vês esta montanha?" - apontando para aquela em cujo sopé localizava-se o ""ashram." "Pois então sobe-a, aproveitando para apreciar a subida e a paisagem lá de cima. Depois que concluir, desce e vem ter comigo".

O discípulo brasileiro foi, todo entusiasmado. Achou meio estranha a recomendação do sábio, mas como lá estava para aprender, decidira fazer tudo que lhe fosse pedido. Desejoso de cumprir logo a tarefa, subiu rapidamente a montanha, mal parando no caminho para descansar. Chegou no topo e permaneceu algum tempo por lá para refazer as energias, pouco apreciando a paisagem devido ao cansaço da rápida subida. Desceu, então, celeremente e, tão logo viu-se no "ashram", procurou o sábio.

Este, ao encontrar o discípulo, perguntou-lhe sobre as impressões da subida. O brasileiro relatou-lhe, então, em rápidas pinceladas, o que vira na subida e a paisagem lá de cima. O sábio observou: "Foste muito afoito. Sobe amanhã novamente a montanha, porém procura observar as nuances da natureza, a vida que floresce em toda parte e a belíssima vista do Himalaia que obtém-se do topo. Na volta, venha ter novamente comigo".

No dia seguinte, nosso conterrâneo subiu com um pouco mais de calma, procurando reter na memória mais detalhes do sinuoso caminho de subida. Observou, também como era bonito o "ashram" visto do topo da montanha, e como eram bem desenhados os contornos das montanhas que o rodeavam. De retorno, procurou ansioso o sábio, repetindo-lhe as impressões da escalada, adicionando novos matizes e detalhes percebidos nessa segunda viagem. O sábio sorriu, satisfeito com o progresso do discípulo, porém recomendou nova viagem para o dia seguinte.

As subidas à montanha foram sucedendo-se diariamente, e cada vez mais o discípulo admirava-se de perceber nuances inéditos do caminho, descobrindo que a cada vez que percorria a trilha o cenário apresentava novos detalhes, que ainda não haviam sido vistos. E, se antes vislumbrava a paisagem em seus contornos gerais, agora via detalhes do caminho, a beleza das flores e a maravilha da vida que pulsava por toda a parte.

Quando voltou da sexta viagem e encontrou o sábio, este disse-lhe: "Amanhã é o dia da minha subida semanal à montanha. Muitos discípulos me acompanham e creio que você possa vir conosco, depois todos trocaremos impressões sobre a escalada".

No dia seguinte, logo ao alvorecer, reuniram-se todos no pátio do "ashram". O sábio ia à frente, com os discípulos seguindo em silêncio atrás, em fila indiana (literalmente). Para desespero do afoito brasileiro, no entanto, o mestre parava a cada passo, admirava a paisagem ao redor, meditava com o olhar ao longe, contemplativo. Mais um passo, nova parada, nova análise da natureza que os cercava. E assim seguiram, com o brasileiro doido para chegar logo ao topo da montanha. Não podia, entretanto, passar à frente dos outros e teve de conter sua impaciência e subir no ritmo do velho sábio.

Depois de algumas horas chegaram ao topo, demorando-se por lá boa parte do dia. Durante esse tempo, enquanto o sábio apreciava múltiplos aspectos da natureza em torno, o discípulo brasileiro perguntava a si mesmo: "Subi essa montanha a semana toda e já conheço de cor a paisagem. Se esse sábio a sobe semanalmente há vários anos, o que será que ele vê de novo para o absorver assim por várias horas?"

Ao entardecer, desce o grupo até o "ashram", no mesmo ritmo de caminhada. À noite reunem-se todos os participantes, sentados em círculo, para comentar com o sábio as impressões do dia. Ao ouvir os comentários dos demais discípulos, o brasileiro descobriu visões semelhantes à sua, algumas ainda mais superficiais, outras porém contendo aspectos que ele nem sequer suspeitava existirem naquela experiência. "Muito boa esta troca de idéias", pensou ele, "enriqueci-me muito pelo intercâmbio de impressões com o grupo". Sua expectativa voltava-se agora para os comentários do velho sábio, que ouvira todos os discípulos e começaria a falar.

"No primeiro passo, observei que ..." iniciou o sábio, prolongando-se por longos minutos acerca de suas impressões sobre aquele momento. Depois de terminado, pensou um pouco e ajuntou: "No segundo passo." e seguiram-se outras tantas considerações. E entrou pela madrugada comentando a subida, assombrando os discípulos que o conheciam há menos tempo com a profundidade de suas análises, que diziam respeito não apenas ao cenário observado, ao caminho transposto, à vegetação e aos animais encontrados e às demais impressões já relatadas pelos discípulos, mas, principalmente, às informações novas que o sábio era capaz de extrair a partir das observações efetuadas.

E ensinava aos discípulos: "A cada passo que damos, modifica-se todo o cenário à nossa volta.". E continuou: "Há mudanças no cenário que percebemos facilmente, porém há aquelas que são imperceptíveis entre um passo e outro mas que modificaram-se substancialmente depois de dez passos". Concluiu sentenciando: "Tendemos a perceber os aspectos de grande rapidez de modificação, ignorando os que aparentemente estão estáveis. E, depois que damos dez passos nos apercebemos que houve uma modificação substancial no que considerávamos estável, sem que soubéssemos como isto ocorreu. Perdemos uma grande oportunidade de aprendizado."

Finalizando a preleção, já alta madrugada, aconselhou: "Dais muita importância em chegar ao topo da montanha, porém não aproveitais a lição que está oculta em cada passo da subida. O cenário de cada passo ensina tanto quanto o cenário do cume. Valorizais em excesso o resultado (chegar ao topo), desprezando todo o precioso aprendizado do processo de chegar até ele (a caminhada de subida). Em resumo, dais muito valor ao onde chegar, esquecendo do valor do como chegar.".

SE O DISCÍPULO BRASILEIRO

FOSSE UM ANALISTA DE SISTEMAS...

... certamente que retiraria desta viagem muitos ensinamentos. Além dos benefícios que o aprendizado traria para a sua vida pessoal, para o seu relacionamento com as pessoas e com sua família e para outros aspectos importantes da vida, as lições do sábio indiano teriam reflexos sobre a sua vida profissional.

Não sabemos se o velho sábio indiano possui conhecimentos de informática, mas a sua lição pode ensejar algumas proveitosas reflexões. Pediremos permissão ao sábio para aplicar seus ensinamentos à informática, aproveitando todos nós um pouco desta viagem à Índia.

Subir a montanha é, para nós, desenvolver um projeto. A caminhada do sopé ao topo pode ser tortuosa, cheia de dificuldades, mas nós a fazemos várias vezes, cada vez que realizamos um projeto ou prestamos um serviço. Quantas vezes já subimos a montanha? O que aprendemos após tantas subidas? Será que não estamos analisando muito superficialmente cada escalada? Não haverá algum aprendizado oculto que poderemos retirar depois de tantas viagens?

O que observamos mais comumente é que somos tão afoitos como o discípulo brasileiro. Queremos chegar a qualquer custo e rapidamente ao topo da montanha, mas não aproveitamos tudo que a subida pode ensinar. Não estamos dizendo que não precisamos dar atenção ao como chegar ao topo da montanha (produto), apenas que devemos valorizar mais a escalada ao topo (qualidade do processo). Lembremos a lição do sábio: "Valorizais excessivamente o onde chegar, esquecendo o valor do como chegar". Quantos de nós não conhecem projetos concluídos que não servem para nada? Simplesmente não são adequados ao cliente, não satisfazem suas necessidades e ficam encostados, sem uso. Por trás desse projeto quase sempre encontramos um analista de sistemas afoito, que desprezou fases importantes da subida, como uma correta prospeção das necessidades do cliente ou uma análise mais profunda dos riscos inerentes ao projeto.

Um bom analista de sistemas não sobe correndo a montanha. Se é necessário fazer rápido, ele não deve descartar fases do projeto, mas sim aprender a fazê-las mais rapidamente. Aprendemos nos bancos escolares que o analista de sistemas não deve apenas informatizar um sistema manual desorganizado, mas primeiro organizá-lo para depois informatizar. Caso contrário, apenas se acelerará a desorganização, relatórios inúteis serão mais rapidamente impressos e agilmente entregues a quem não precisa deles. Parece óbvio, mas é assim que agimos quando aceleramos o desenvolvimento de um projeto desorganizado.

Descartamos um aprofundado levantamento de dados e uma detalhada análise das alternativas de solução disponíveis, para chegar mais rapidamente à construção da solução, que, entregue rapidamente, não é adequada à necessidade do cliente. Então corremos a mascarar a situação, fazendo "manutenção no sistema" ou "atividade contínua", gastando horas intermináveis até adequar o projeto às necessidades. A rapidez inicialmente obtida evapora-se nas manutenções posteriores, impacientando o cliente, "porque esse sistema já foi terminado há 3 meses e até agora não está funcionando...".

E o pior é que não podemos alegar ignorância destas verdades. O velho sábio indiano deve ter inspirado alguém na Celepar a escrever a MDS - Metodologia de Desenvolvimento de Serviços, que descreve detalhadamente cada passo que deveríamos observar para subir a montanha.

Outra lição importante do sábio indiano é a análise das modificações do cenário durante a subida. Ele ensinou aos seus discípulos a importância da análise a cada passo, como importante fonte de aprendizado. Os analistas de sistemas avaliam o ambiente em que se situa o projeto logo no início do processo (quando o fazem). Fazem análise de restrições legais, culturais e ambientais, listam balizadores e requisitos e avaliam as alternativas disponíveis. Em seguida, escolhem a solução e começam a desenvolvê-la. Deram o primeiro passo. Depois disso, sobem até o topo da montanha sem olhar em torno, sem reavaliar o cenário à sua volta. Não são afoitos, porém imprudentes, pois arriscam-se sem necessidade. As mudanças de cenário podem modificar substancialmente o projeto, porém só nos apercebemos disto quando já chegamos ao topo e olhamos novamente à nossa volta e nos surpreendemos: "Como modificou-se a paisagem! Como será que isto aconteceu?". Resultado: mais um projeto com defeito ou inadequado. Outra vez tentamos disfarçar a situação, fazendo as tais "manutenções" ou "atividades contínuas".

Um aspecto importante a considerar quanto às modificações do cenário é que a própria subida à montanha transforma o panorama à nossa volta. Ocorrência idêntica acontece com os projetos: o simples fato de efetuar um levantamento de dados ou discutir com o cliente as alternativas de solução para um problema já causa mudanças no ambiente e pode introduzir novas variáveis até então inexistentes para o âmbito do projeto. Isto só reforça a necessidade de o analista de sistemas rever constantemente o cenário que o envolve.

Uma das melhores maneiras de exercitar a análise de cenários periodicamente é o "rito" do Acompanhamento Semanal. Trata-se de um hábito que o Líder de Projetos deveria exercitar e que consiste em dedicar de meia a uma hora semanal para atualizar o Cronograma do Projeto e elaborar um Comentário de Acompanhamento. Isso é análise de cenários? Vejamos: o simples ato de colocar-se em frente ao cronograma nos força a sair do dia-a-dia do Projeto, em que estamos imersos, e pensá-lo de maneira mais estratégica, com uma visão de todas as macroatividades. Deste modo diminuimos o risco de concentrar nosso foco apenas em algumas atividades e desprezar fatores importantes, ao mesmo tempo que vamos enriquecendo o cronograma com os novos cenários e com as novas atividades que vão sendo vislumbradas. O cronograma deve ser sempre o espelho da visão macro que o Líder tem sobre o Projeto, situando no tempo todas as atividades previstas e realizadas. Ao mesmo tempo, o Comentário de Acompanhamento nos leva a elaborar um texto curto e objetivo sobre o andamento do Projeto naquela semana, focado também para as questões estratégicas. Separar o trabalho operacional do estratégico é essencial para não perder de vista os requisitos, os balizadores e os objetivos traçados para o Projeto quando do seu início. Deste modo, o "rito" do Acompanhamento Semanal nos força a olhar à nossa volta, reanalisar todo o planejamento, readequá-lo se for o caso e organizar as tarefas faltantes no tempo, fornecendo-nos importante instrumento de análise do Projeto como um todo. É a análise semanal de cenários, feita a cada passo da subida da montanha. É, portanto, instrumento de poderosa utilidade para o Líder do Projeto, não para o Chefe ou o Gerente (também para eles) e quando nos apercebemos disto, deixa de ser uma obrigação e passa a ser uma necessidade.

Ficaríamos surpreendidos com as descobertas caso analisássemos com cuidado o cenário a cada passo. Imaginamos que isto toma tempo demais e que atrasa a subida. É a velha desculpa de não fazer o cronograma porque não dá tempo... (das desculpas que tenho catalogado, é uma das mais freqüentes.). No entanto, relembramos que a rapidez inicialmente obtida perde-se nas manutenções posteriores, quando não atrasa ainda mais o término. Isto sem contar a qualidade adicional do Projeto obtida pelo planejamento estratégico periódico. Com o tempo e a prática, o "rito" do Acompanhamento Semanal torna-se um hábito do Líder de Projetos, sendo realizado com rapidez e precisão crescentes, e o ganho final de tempo e qualidade do projeto será ainda maior.

Ficamos ainda mais surpreendidos porque a nossa MDS também recomenda a atualização semanal de cronogramas e a revisão após cada fase do projeto, inclusive do Projeto Preliminar (que fazemos no primeiro passo e depois esquecemos de reavaliar nos passos seguintes da caminhada). O velho sábio só pode ter estado aqui para ajudar a conceber a Metodologia...

Interessante observar também que o velho sábio e os discípulos reuniam-se para comentar as impressões das escaladas, enriquecendo seu acervo de conhecimentos com as experiências dos demais componentes do grupo. Este aprendizado se revelará bastante útil em futuras subidas. Semelhante procedimento adota a MDS da Celepar, com a Equipe de Qualidade. Cada projeto, além da Equipe Técnica, responsável pela execução das tarefas, deve possuir também uma Equipe de Qualidade, composta de técnicos de outras áreas e do cliente, que atua para enriquecer as revisões do Projeto com outras visões, experiências e também sugestões, o que diminui os riscos de erros de projeto e amplia o intercâmbio de informações, enriquecendo todos os envolvidos e gerando produtos de maior qualidade.

Outra semelhança entre o discípulo brasileiro e muitos analistas de sistemas é a presunção de que já conhecem todos os detalhes do caminho. Seu pensamento é: "Já subi esta montanha inúmeras vezes, não há nada na subida que eu ainda não conheça, domino todo o caminho, que conheço como a palma de minha mão". É a senha para subestimarem a análise de cenários, o que traz inúmeros riscos para a qualidade dos projetos. Não há dúvida de que a experiência de várias subidas à montanha ajudam na análise de cenários, porém não a substitui nem justifica a fazermos com desleixo ou desatenção. Isto porque as mudanças de cenários são essencialmente imprevisíveis e por mais experiência que alguém tenha, nunca passará por todas as situações possíveis, daí a sabedoria do mestre indiano em analisar cuidadosamente o cenário mesmo já tendo subido a montanha várias vezes.

Estou realmente tentado a perguntar se a equipe que concebeu a nossa MDS não andou peregrinando pela Índia coletando idéias para incluir na Metodologia...

De fato podem-se fazer inúmeros paralelos entre as lições indianas e as recomendações da MDS, inclusive outras que por questões de espaço não foram incluídas aqui. Por que tantas coincidências? Será que houve intercâmbio entre o sábio indiano e os analistas da Celepar? Não, a resposta não é essa: é que, em resumo, a MDS é bom-senso, como as lições do sábio indiano. Ambas contêm experiências já vivenciadas e transformadas em lições (ou roteiros), para facilitar a assimilação e evitar que, ao tentar reinventar a roda, todos caiamos nos mesmos erros em que outros já caíram no passado.

Adaptando uma conhecida máxima: "Errar é humano, mas persistir no erro é ... " falta de bom-senso (ainda mais tendo a MDS para nos ajudar a não cometê-lo).

E, para concluir este artigo no clima oriental que o título inspira, sugerimos ao leitor: procure meditar sobre estas lições indianas. Releia todo o texto, com mais calma, como se estivesse subindo novamente a montanha e descubra pontos que não percebeu na primeira leitura. Procure extrair das coisas o algo mais que a análise superficial não nos deixa perceber. E, se puder, extrapole um pouco da sabedoria oriental para a sua própria vida, sua família, seu modo de ser com as pessoas: "Valorizais em excesso o resultado (chegar ao topo), desprezando todo o precioso aprendizado do processo de chegar até ele (a caminhada de subida à montanha)".