A literatura descolonizando a informática

Autor: Adilson Fabris


Pertence a um passado cada vez mais remoto a época em que expressões lingüísticas como "árvore de decisão", "lógica binária", "software de aplicação", ... configuravam um repertório esotérico de uso exclusivo dos iniciados nos rituais da Informática.

Atualmente, esta linguagem está sendo apropriada por outras áreas do conhecimento, legitimando-se enquanto forma de disseminação em outros veículos culturais. Estas expressões, apanágio outrora monopolizado por profissionais da área, hoje vazam e transbordam para a esfera do cotidiano, incorporando-se ao vocabulário diário mais corriqueiro.

Para consubstanciar esta premissa, mesmo a especialidade de um gênero literário tão característico e latino-americano como o Realismo Fantástico vê-se invadido, impregnando-se de conceitos oriundos deste jargão técnico. O conto breve, transcrito abaixo, atestando o que foi exposto anteriormente, foi extraído do livro "A orelha de Van Gogh", do escritor gaúcho Moacyr Scliar, publicado em 1989 pela Companhia das Letras.

ÁRVORE DE DECISÕES

Um homem - pode ser um analista de sistemas - é subitamente acometido de amnésia. Privado de suas lembranças, mas não de inteligência, e ainda no domínio de certas técnicas que ao que parece se integraram por completo ao seu modo de ser, resolve evocar o passado, percorrendo ao contrário a árvore de decisões que, segundo imagina, orientou sua vida. Assim, se moro nesta casa, foi porque assim o decidi, escolhendo entre várias opções: se casei com esta mulher... O método revela-se um sucesso e ele retroage, de decisão, até a anos remotos de sua infância... O homem que sofre de amnésia consegue lembrar muito mais que outros. Mas então chega ao momento culminante: o do parto. As opções são duas, naturalmente, nascer ou não: ele sabe que escolheu , claro, a primeira, mas constata, consternado e mesmo aterrorizado, que ignora o porquê; porque saiu de uma situação de perfeita amnésia para uma vida que consiste tão-somente em lembranças; e então se dá conta que a razão da amnésia é a amnésia; que esquecer é uma opção cuja razão fica definitivamente olvidada. Uma enorme fadiga apossa-se do homem, e ele já não lembra mais nada. Só lhe resta dormir e é o que faz, sonhando com uma árvore, que não é a de suas decisões, mas uma árvore mesmo, uma árvore comum, humilde exemplar daquele que se denominava, outrora, de Reino Vegetal.