Acredite se quiser

Autor:Pedro Luis Kantek Garcia Navarro - GAC  

Eu sei que é uma história dura de engolir, mas afinal chegou a hora de contar o que sucedeu naquele longínquo ano de 1978. Era uma época braba, as noites eram mais escuras e os dias mais nublados do que são hoje. Sempre houve os incrédulos que -- mesmo na época -- diziam ter sido tudo apenas coincidência. Por outro lado, havia os apavorados, crentes, que à simples menção do fato, correndo se persignavam e esbranqueciam, vade retro. Eu, junto à maioria, ficava no muro. Nem sim nem não, quem sabe?

Vamos ao ambiente: Fazia muito frio na época, e recém chegara um moderno computador com 256Kb de memória, 4 discos de 100 MB cada um, 8 fitas e 2 impressoras: o maior e melhor computador do estado do Paraná, recém-instalado.

Um operador, esqueço-lhe o nome, sujeito meio mal encarado, mas boa praça, estava de férias quando a máquina chegou. A coisa foi rápida, estávamos com um monte de serviço atrasado e o computador novo era esperado para dar conta daquilo. Milagrosamente chegou, foi tirado das caixas, aparafusado no chão, ligado, e ... isto é incrível... começou a funcionar lindamente.

Quando o operador em questão chegou para trabalhar, no turno da madrugada, de volta das férias, entrou na sala, deu um olhar abrangente e saiu-se um fia d'uma cadela, que máquina feia... O palavrão não foi bem esse, foi muito pior, mas a pudicícia impede uma transcrição literal.

O azar dele foi que o computador ouviu. Aqui começam as controvérsias. Há quem diga que é tudo besteira, mas há (e os há muitos) aqueles para os quais o computador ouve sim, como não. O sujeito era até então um excelente operador, nunca dera origem a queixa ou problema, mas a partir desse instante o panorama começou a mudar. Primeiro lentamente e depois mais rápido, num ritmo crescente, as coisas começaram a dar errado para ele dentro do aquário.

Uma fita colocada errada que se desenrolava inteira, um erro de leitura no disco, meia dúzia de caixas de formulário que desabava, uma pilha de cartões que o vento (que vento? Lá não há janelas nem ventiladores) derrubava. Tais coisas, antes improváveis e quase impossíveis, começaram a ocorrer quando o dito operador estava por perto. Talvez ninguém tenha feito a correlação entre causa e efeito até o dia em que, estando o processamento pela sexta ou sétima hora de cálculo dos contracheques (demorava mais de 10 horas), o fulano sentou na frente da máquina para ler as mensagens. Quando encostou o dedo no teclado,... a infame emitiu uns bips esquisitos e imediatamente entrou em processo de boot. Para os micreiros de hoje, foi como se alguém tivesse apertado CTRL-ALT-DEL. Com o detalhe que antes a máquina era ligada 2 ou 3 vezes por semana, não era como hoje, que a gente tem de dar 10 ou 12 CTRL-ALT-DEL por dia.

A partir desse dia e desse incidente, a história começou a se espalhar. A máquina estava de marcação com o sujeito, a malvada. Não adiantava mais ele oferecer palavras carinhosas, afeto na pressão dos botões, um que outro chamego. Nada derretia aquele monte de parafusos.

Assim foi a história aos trancos e barrancos, cada vez pior até o dia em que ele foi trocar uma fita. A unidade fechava o compartimento da fita eletronicamente e havia um sensor que revertia o movimento caso algo travasse o movimento da janela, como por exemplo uma mão lá dentro. Os operadores que trocavam as fitas não tinham medo de ver a janela se fechando pois sabiam que ao encostar na mão a janela imediatamente reabria.

Pois o nosso personagem pensava assim, quando uma janela dessas começou a se fechar e mesmo encontrando a mão dele, prosseguiu até o fim. A mão ficou presa. Não é que o sensor falhara bem naquela unidade e com aquele operador? Que azar, não?

Pelo sim ou pelo não, o sujeito não ficou por aqui para ver o resultado. Pediu as contas. Naquela mesma madrugada, que bobo não era. A última vez que dele soubemos era hippie em Guaratuba vendendo brincos e miçangas.

Ficou a lição: fale baixo perto dos computadores, principalmente quando faz frio.