Discursos Paralisantes

 Autor:Rogério Ribeiro da Fonseca Mendes

Problema Que Não Tem Solução Não É Problema! Continuação

Por que continuar no mesmo tema? Porque para subir mais um degrau no que pode ser dito como a "escada da vida" é preciso não cristalizar. É desde o retorno fornecido por outrem que podemos conceituar algo na ordem do aprimoramento. Quando se fala em vida é necessário tomar certo cuidado pois é um termo que vem representar um conjunto abrangente, com elementos que vão desde uma dimensão tipo vida até uma dimensão tipo VIDA. É interessante observar o que as pessoas definem sobre o que é "viver bem". Enfim, cada um tem sua vida e, à medida do possível, terá que cuidar dela, enquanto existente e, neste ponto convém reforçar uma questão: somos mortais. Como dizem por aí: "a morte é certa".

Para conceituar é necessário utilizar a linguagem, utilizar palavras, articulação de palavras. Ao tentar dizer sobre algo que parece simples, a primeira letra do nosso alfabeto, a letra a, ao recorrermos ao dicionário Aurélio Eletrônico, constatamos o efeito "denorex", que fala do que parece mas não é:

Verbete: a
***** 1
S. m.
1. A 1ª letra do nosso alfabeto. [V. alfabeto fonético internacional.]
2. Astr. A 1ª estrela de uma constelação.
3. Mús. A nota lá, na antiga notação alfabética, ainda hoje usada nos países germânicos e anglo-saxões.
4. Fís. Raia de emissão do oxigênio elementar, cujo comprimento de onda é igual a 7 608,2 A.
5. Fís. Símb. de ampère.
6. Quím. Obsol. Símb. de argônio. [Utilizado em lugar do símb. Ar, recomendado internacionalmente.]
7. Lóg. Símb. de proposição universal afirmativa.
8. Símb. de atto- [q. v.]
Num.
9. O primeiro, numa série indicada pelas letras do alfabeto: O item a diz tudo; Mora na casa A.
10. A primeira, num grupo de séries: série a (ou série A ).
[Cf. á e à.]
***** 2
[Do lat. illa.]
1. Art. def. Fem. do art. o: "Tem a saúde, a firmeza, a força" (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, p. 52).
2. Pron. pess. da 3ª pess. do sing., fem., forma oblíqua: "Em vão a fiquei chamando" (Alberto de Oliveira, Poesias, 3ª série, p. 29).
3. Pron. dem., fem. do pron. dem. o; aquela: Esta flor não é a que lhe dei.
[Flex.: o, as, os. Cf. á e à.]
***** 3
[Do lat. ad.]
Prep.

1. Exprime inúmeras relações entre palavras, podendo substituir, de modo mais ou menos adequado, várias outras preposições. Eis os seus principais empregos:

a) Introduz complementos ou adjuntos de verbos, substantivos e adjetivos: "Não deixa de aludir igualmente a Sancho e Dulcinéia" (Augusto Meyer, A Forma Secreta, p. 94); "Falo a ti - doce virgem dos meus sonhos" (Casimiro de Abreu, Obras, p. 49); Obedece às normas gramaticais; "o sapê cerrado .... flexuava crepitando como a um fogo latente." (Coelho Neto, Rei Negro, p. 248); "a violento / Abalo acorda." (Alberto de Oliveira, Poesias, 2ª série, p. 232); "as cortinas se balançavam à brisa dessa noite" (Clarice Lispector, A Via-Crúcis do Corpo, p.18); "cantando a o cravo" (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, p. 61); "trabalhavam desde crianças a velhos" (José Régio, O Príncipe com Orelhas de Burro, p. 228); sensibilidade ao sofrimento; homem temente a Deus.

b) Rege expletivamente o objeto direto de verbos, quando este é substantivo próprio, ou quando possa encerrar ambigüidade: amar a Deus [neste caso, pode-se dizer que é obrigatório] ; "Lia Alexandro a Homero de maneira / Que sempre se lhe sabe à cabeceira." (Luís de Camões, Os Lusíadas, V, 96); Venera o filho a o pai.

c) Regendo verbo no infinitivo, entra na construção de formas verbais perifrásticas que têm o valor de gerúndio: estar a chorar (= 'estar chorando'); "Eu quisera viver a voar, a voar" (Gilca Machado, Poesias, p. 128); que têm valor incoativo: Pegou a falar; "logo que passaram as missas da Candinha, recomeçou a rondar o Luís da Cunha e a pedir-lhe insistentemente a filha." (Pedro Nava, Baú de Ossos, p. 144); que exprimem fim ou intenção: Correu a perguntar quem chegara; "Ia colher as pitangas, / Trepava a tirar as mangas" (Casimiro de Abreu, Obras, p. 94); "Atrevo-me a falar sobre as mulheres." (Romeu de Avelar, Crônicas de ontem e de hoje, p. 11).

d) É elemento primordial em inúmeras locuções adverbiais: a olho nu; a pé; aos poucos; à porfia; às avessas.

e) Entra na formação de numerosas locuções prepositivas: a despeito de; a respeito de; com referência a. [Cf. por.]

2. Se, se acaso, caso (precedendo verbo no infinitivo): A continuares calado, eu me retirarei; A irmos agora, o Fernando irá conosco; "Cruas ânsias, / Dos teus olhos afastado, / Houveram-me acabrunhado, / A não lembrar-me de ti!" (Gonçalves Dias, Obras Poéticas, I, p. 343).

***** 1 a-
[Do lat. ab(s).]
Pref.

1. = 'afastamento', 'separação', 'privação', 'excesso', 'intensidade': amovível.
[Equiv.: ab- e abs- (abs- vem sempre antes de c e t): abjeção (< lat. abjectione), abjurar (< lat. abjurare); abuso (< lat. abusu); abscesso (< lat. abscessu), abster (< lat. *abstenere).]
***** 2 a-
[Do lat. ad.]
Pref.

1. = 'aproximação', 'direção'; 'aumento', 'acrescentamento'; 'mudança de estado', 'transformação', etc.: abeirar, achegar; apodrecer, amedrontar.

[Equiv.: ad-, ar-1, as-1 (ar- e as- vêm sempre antes de r e s); advogado (< lat. advocatu), adventício (< lat. adventiciu); adjetivo (< lat. adjectivu); arrostar, arribar; assimilar (< lat. assimilare). A f. a- é, algumas vezes, conseqüência da assimilação do d à consoante seguinte e simplificação da consoante geminada: aglutinar (< lat. agglutinare < adglutinare).]

***** 3 a-
[Do gr. a-.]
Pref.
1. = 'privação', 'negação': acéfalo (< gr. aképhalos), amoral.
[Equiv.: an-, que vem sempre antes de vogal: anestesia (< gr. anaisthesía), analgia; e as-3: assepsia, assexual.
***** 4 a-
Pref. protético:
1. Alevantar, avergar.
[Equiv.: ar-2 e as-2, que vêm sempre antes de r e s: arruído; assentar.]
***** 5 a-
Pref. protético,
1. resultante da aglutinação do artigo a certos substantivos: abantesma, amora.

[Equiv.: ar-3, que vem sempre antes de r: arruda.]
***** 1 A
Fís.
1. Símb. de angström (Å).
***** 1 -a
1. Desin. do fem. na língua portuguesa: aluna, cantora.
[Pl.: -as.]

Bem espremido ocupou uma página e não dá para dizer que foi totalmente exprimido.

É bem por isso que é preciso continuar, retomar, falar mais, explicitar, ... Foi dito no início deste capítulo que "É desde o retorno fornecido por outrem que podemos conceituar algo na ordem do aprimoramento.". O aprimoramento, então, é o que advém do movimento de explicitação - em contraposição à cristalização num suposto saber absoluto. Mas há dois fatores fundamentais:

  • o retorno fornecido por outrem; e
  • a dis-posição de escutar este retorno.

A ausência de qualquer destes dois fatores implica cristalização, que pode ser representada por exemplo, pelo sujeito que dizemos comumente como "o dono da verdade". A verdade não pode ser dita toda: faltam palavras, somos mortais, ...

NÃO É VERDADE que "Problema que não tem solução não é problema!".

NÃO É VERDADE que "O que não tem solução solucionado está!". NÃO É VERDADE que "O que não tem remédio remediado está!". São apenas frases encobridoras da verdade. Na verdade, uma parte desta verdade, é que "Problema que não tem solução indica que este problema requer melhor especificação.".

Se utilizarmos a teoria dos conjuntos para representar a frase encobridora "Problema que não tem solução não é problema." diríamos: dado um determinado conjunto A (problema) que contém x, y e z (elementos causais), caso ele não contenha o elemento w (solução) implica que o conjunto A não é o conjunto A. Cadê a lógica?

O capítulo anterior é aqui retomado para revirar um pouco mais do que lá está escrito, tomando-o de ponta-cabeça, do fim para o começo.

A frase final "A solução de problemas no âmbito empresarial pressupõe a admissão da perda, no mínimo da perda do status quo.", que pode ter significado para alguns, um tipo de declaração tal como no conto Alice no País das Maravilhas, onde a rainha empafiosa decreta "cortem-lhe a cabeça", não é nada disso, ou melhor, a questão de amputação estava no parágrafo anterior e isto pode ter motivado tal significado. A busca de uma palavra que pudesse melhor representar a idéia de que para subir um degrau é necessário retirar o pé do degrau em que se está, representar a disposição em abandonar uma situação conhecida de tal forma a possibilitar o surgimento de uma situação nova, levou nesta trilha à palavra "status quo", que tem seu significado expresso no dicionário Aurélio Eletrônico:

Verbete: status quo
(státuç quó)[Lat.]
1. Significa o estado em que se achava anteriormente certa questão.
[F. preferível a statu quo.]

Aí está, emoldurado, o significado lingüístico único do que a dita humanidade imaginariamente tenta manter: o estado em que se achava anteriormente certa questão. Foi dito imaginariamente, porque nem mesmo a língua portuguesa admite que seja algo cuja manutenção seja possível pois, se status quo é o estado em que se achava ANTERIORMENTE certa questão, então, já não estamos mais naquela, estamos "noutra". A frase final, dita de outra forma: A solução de problemas, quer no âmbito empresarial quer em qualquer outro, pressupõe reconhecer que os problemas gritam, reivindicando solução. Se alguém quer insistir em não dar ouvidos aos problemas deveria, no mínimo, admitir que os problemas vão se modificando e, o que é observável, esta modificação não é para níveis superiores de otimização. Se os problemas vão se modificando e este encaminhamento é para uma situação pior, a tentativa imaginária de manter o status quo nada mais é do que a esperança de não ter que enfrentar esta situação pior que, queiramos ou não, se um problema não é equacionado, diagnosticado e resolvido, vai caminhar - enquanto sistema - livremente sob a lei da entropia. A ação administrativa requer emprego de energia numa luta contínua com a entropia. Desta forma, pelo aqui exposto, a perda que está em jogo na solução de problemas é a perda do desperdício de energia na tentativa de manutenção do que não existe, ou do que não existe mais e que ficou como imaginário. Ao se dar a perda do desperdício isto implica em ganho de potencial. Potencial energético para ser aplicado na solução do problema. Se um problema não tem solução indica a existência de desperdício de energia, num trabalho de não reconhecer determinados elementos causais que estão em funcionamento, queiramos ou não.

Nesta reviravolta sobre o capítulo anterior há outro ponto, do qual não se deveria subestimar a necessidade de explicitação, pois trata-se de uma armadilha que captura a dita humanidade: possível X impossível. Esta díade requer sempre dela dizer mais, redizer, reforçar, insistir, perseverar na conceituação.

Do dicionário Aurélio Eletrônico temos:
Verbete: possível
[Do lat. possibile.]
Adj. 2 g.

1. Que pode ser, acontecer ou praticar-se.
S. m.

2. Aquilo que é possível: O médico fez o possível para salvá-lo.

3. Filos. Do ponto de vista lógico, o que não implica contradição.

4. Filos. Do ponto de vista físico, quer o que satisfaz às leis gerais da experiência, quer o que não está em contradição com nenhum fato ou lei empiricamente estabelecida, quer o que é mais ou menos provável.

5. Filos. Do ponto de vista moral, o que não contraria nenhuma norma moral.
[Cf., nas acepç. 3,4 e 5: impossível (8).]
Verbete: impossível
[Do lat. impossibile.]
Adj. 2 g.

1. Que não tem possibilidade; irrealizável: Foi-lhe impossível viajar este ano.

2. Muito difícil: Parece-lhe impossível ser aprovado.

3. Incrível, extraordinário: Para ser aceito no grupo fez coisas impossíveis.

4. Extravagante, esquisito, excêntrico: "Não tardou .... que arrebique de mau gosto, fitas velhas, rendas amareladas, chapéus impossíveis, viessem contrastar com a elegância do vestido." (Guerra Junqueiro, Contos para a Infância, pp. 150-151.)

5. Insuportável, intolerável: Depois de senador, está impossível.

6. Bras. Rebelde, traquinas, travesso, levado: criança impossível; "O menino impossível / que destruiu até / os soldados de chumbo de Moscou / e furou os olhos de um Papai Noel, / brinca com sabugos de milho, / caixas vazias, / tacos de pau, / pedrinhas brancas do rio..." (Jorge de Lima, Obra Completa, I, p. 226).
S. m.

7. Aquilo que não é possível, ou que apresenta extraordinária dificuldade.

8. Filos. O que implica contradição.

9. Filos. O que é, de fato, irrealizável.
[V. possível (5).]

Uma análise simples dos significados leva a poder afirmar que, lingüisticamente, o que é POSSÍVEL fica suficientemente claro, fato que não ocorre com o que é IMPOSSÍVEL, que deixa dúvida. No campo da ação administrativa seria melhor deixar a palavra "impossível" de lado, para que o poeta dela faça uso enquanto metáfora para "muito difícil", "incrível", "extraordinário", "extravagante", "esquisito", "excêntrico", "insuportável", "intolerável", "rebelde", "traquinas", "travesso", "levado" ou de outra qualquer, imaginária, que seja possível ao poeta ser levado. Ficaria reservado, então, no campo da ação administrativa, o possível+interrogante: é possível?, sim ou não?.

Se este texto não é otimista isto não implica, necessariamente, que seja pessimista. Há que reconhecer que o texto tem um certo grau de tímido. O otimismo, doença real decorrente do uso indevido do imaginário desta dita humanidade, que insiste no caminho poético da impossibilidade, requer o emprego de palavras universalizantes e moralizantes para poder ser conceituado, como pode ser comprovado no dicionário Aurélio Eletrônico:

Verbete: otimismo
[Var. de optimismo < lat. optimu, 'ótimo', + -ismo.]
S. m.

1. Doutrina filosófica segundo a qual tudo corre no mundo do melhor modo possível, tudo vai bem: Voltaire consagra o seu romance Candide à refutação do otimismo.

2. Atitude em face dos problemas humanos ou sociais que consiste em considerá-los passíveis de uma solução global positiva, do quê resulta uma posição geral ativa e confiante.
[Opõe-se a pessimismo.]